Polícia terá de levar parente ou testemunha junto ao socorrer baleado em operações

Uma lei sancionada pelo governador Wilson Witzel e publicada no Diário Oficial desta sexta-feira, regulamenta os procedimentos que deverão ser adotados em casos de pessoas feridas por policiais durante as operações, com objetivo de evitar que inocentes continuem sendo vítimas nas situações de confronto. O texto determina, entre outras medidas, que o policial deverá “obrigatoriamente” solicitar a presença de uma equipe de apoio para preservação do local da ocorrência e socorrer a vítima, caso haja lesão corporal. Porém, esse socorro ao ferido deverá ser feito prioritariamente pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) ou pelo Corpo de Bombeiros, e, somente em casos extremos, pelas polícias Militar e Civil. As vítimas deverão também estar acompanhadas de um parente ou testemunha.

Além disso, a lei prevê ainda em um dos artigos que o policial envolvido em mais de uma ocorrência de lesão corporal ou homicídio, no período de um ano, deverá ser avaliado pelo setor de psicologia e, caso seja recomendado, afastado dos serviços externos. Nesse período, o agente será submetido ao acompanhamento psicológico com capacitação em Direitos Humanos e aperfeiçoamento profissional.

O texto também determina que todas as provas disponíveis deverão ser colhidas e a polícia técnico-científica deverá realizar perícia obrigatória no local. Prevê também que todos os policiais envolvidos, a vítima, as testemunhas e os médicos responsáveis pelo atendimento à vítima, deverão ser ouvidos, e as armas utilizadas na ocasião deverão ser identificadas pela autoridade policial.

As nomas determinam ainda que o processo de apuração deverá ser instaurado imediatamente pela instituição policial, devendo ser comunicado ao Ministério Público, à Defensoria Públicas e ao órgão do Poder Executivo responsável pela promoção dos Direitos Humanos. As mesmas regras valem para os casos em que os policiais forem feridos ou mortos durante as operações.

Cresce número de óbitos em operações

A lei, sancionada agora pelo governador, tramitava na Assembleia Legislativa do Rio desde 2015. O autor do projeto que deu origem à nova legislação, o deputado Carlos Minc (PSB) disse que a medida se torna necessária, uma vez que é grande o número de mortes decorrentes de operações de combate ao crime no Rio de Janeiro.

Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que ocorreram 741 óbitos nessas operações entre janeiro e maio deste ano. O volume de 2020 é 1,23% maior do que do ano passado, quando tiveram 732 óbitos e já é o número mais alto desde que a série história começou a ser divulgada, em 1998.

Minc defende que a lei de sua autoria pretende poupar também as vidas dos agentes. Um dos pontos da legislação define como operação bem-sucedida aquela com o menor número de vítimas colaterais, o mínimo possível de policiais e civis mortos e/ou feridos gravemente, e com significativo volume de apreensão de armamento, drogas e/ou prisões. Além de determinar também que deverão ser implementadas programas especiais destinados a reduzir as mortes dos agentes.

— O principal ponto é valorizar a perícia, a eficiência das operações e minimizar os números de mortes tanto de civis como de policiais. Esses são os três principais objetivos da lei. A ideia principal é não banalizar a morte. A lei não vai acabar com a violência policial. Não tenho ilusão de que mude tudo, mas ela ajuda. É uma lei que protege os policiais e cria critérios de eficiência nas operações. Foi negociada com a PM e com a Polícia Civil e aprovada por 45 a 15 votos. Somos a polícia que mais mata e somos contra isso — defendeu o parlamentar, acrescentando que o passo seguinte será fazer as novas regras serem cumpridas.

Lei pode reduzir mortes, diz especialista

O ex-secretário nacional de Segurança Pública, coronel de reserva da Polícia Militar de São Paulo, José Vicente, acredita que a lei não vai impedir as mortes em confronto, mas pode contribuir com uma redução dos números atuais em pelo menos 30%. Mais que isso ele acha difícil, por considerar que alguns policiais podem burlar as determinações, contando com a complacência de colegas. Ele acha também que a aplicação da lei pode gerar um conflito, pelo fato de as ações estarem todas pautadas na exigência da presença de uma autoridade policial no local da ocorrência.

— De maneira geral (a lei) é um instrumental importante por retirar facilidades que até então existia para a ocorrências sucessivas de mortes em confrontos. Eu lembro que no ano passado, em 2019, o Rio de Janeiro tinha uma morte a cada 33 prisões. E, São Paulo, que já tem esses procedimentos já adotados, uma morte a cada 282 prisões. Então a letalidade muito mais acentuada, de quase oito vezes, no Rio do que em São Paulo, na proporção de pessoas presas — calcula José Vicente, destacando como pontos mais relevantes da nova legislação a obrigatoriedade da presença de uma autoridade policial no local, o início das investigações imediatamente após a ocorrência, antes mesmo do registro em delegacia, e o fato de a viatura que participou da ocorrência não estar mais autorizada a transportar o ferido, a não ser em situações excepcionais, além da possibilidade do afastamento do policial das ruas para atendimento psicológico, quando o mesmo se envolver em mais de uma ocorrência no espaço de um ano.

O cientista político Pablo Nunes, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) defende que se as medidas servirem para dar mais efetividade na produção de provas com relação à preservação das cenas do crime seria um grande avanço. Porém, vê com reserva a colocação em prática de alguns pontos da nova lei, como exigência de acompanhamento por parentes no momento do socorro às vítimas de um confronto, embora seja favorável à presença de equipes de pronto atendimento nessas situações, para aumentar as chances de sobrevivência e poteção.

— Familiares de vítima de violência policial normalmente, por muitas razões, têm receios não só de se colocarem como testemunhas em processos e inquéritos, mas também de colocar até o seu rosto na frente do policial que vitimou seu familiar. Então, me parece que isso pode ser um impeditivo grande. Tem que ver exatamente como é que isso vai tomar forma no dia a dia. Hoje eu vejo uma dificuldade de ser colocada em prática. Tem que haver uma análise bem clara de qual seria o papel dessa testemunha dentro desse processo. De toda forma, me parece que boa parte dos problemas ligados a questão da testemunha se fazem possivelmente pela falta de diálogo com a sociedade civil. Há várias entidades organizações que lidam com familiares, amigos e parentes de vítimas da violência que poderiam ser ouvidos para saber qual seria a solução ou se essa proposta seria de fato factível para ser empregada aqui no Rio de Janeiro — afirmou o cientista social admitindo ainda não ter tido acesso ao texto da nova lei.

Questionada de que forma vai colocar em prática a nova lei, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar esclareceu que pauta suas ações em protocolos legais, que poderão ser atualizados com a entrada em vigor de nova normatização.

error: Conteúdo protegido !!