STF: aborto não é crime até o 3º mês de gestação

A questão do aborto sempre despertou posições opostas em várias partes do mundo, dependendo dos aspectos que sustentam a opinião de cada um, sejam elas de origem religiosa, moral, pessoal ou política. No cenário brasileiro, a mais recente está relacionada com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que decidiu que o abordo até o terceiro mês de gravidez não é crime. A determinação foi para um caso do Rio de janeiro, mas pode influenciar a decisão de juízes pelo Brasil, além de provocar mudanças drásticas na discussão do tema. A Câmara dos Deputados reagiu de forma contrária imediata.
Na última terça-feira (29), quando o país chorou a tragédia com o avião da Chapecoense e o Congresso Nacional aprovou a PEC do congelamento de gastos e desvirtuou o projeto anticorrupção, a primeira turma do STF tomou uma decisão inédita. Formado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello, o grupo se reuniu para julgar um caso envolvendo pessoas de Duque de Caxias (RJ) denunciadas pelo Ministério Público pela suposta prática do crime de aborto com o consentimento da gestante e formação de quadrilha.
Por unanimidade, os ministros entenderam que as prisões dos acusados não se sustentavam por vários motivos. Mas o ministro Barroso acrescentou, que os artigos do Código Penal que tipificam o crime de aborto não são compatíveis com a Constituição de 1988. Como o Código Penal é de 1940, anterior à Constituição, portanto, os artigos devem ser interpretados de forma a excluir a incidência de crime quando a interrupção voluntária da gravidez é realizada no primeiro trimestre da gestação.
Para Barroso, a vida potencial do feto é “evidentemente relevante”, mas a criminalização do aborto antes de concluído o primeiro trimestre de gestação viola diversos direitos fundamentais da mulher, além de não observar suficientemente o princípio da proporcionalidade. Segundo o ministro, a criminalização antes do terceiro mês de gestação viola a autonomia da mulher, o direito à integridade física e psíquica, os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, a igualdade de gênero, além de provocar discriminação social e um impacto desproporcional da criminalização sobre as mulheres pobres.
A decisão vale única e exclusivamente para o caso de Duque de Caxias, mas se o tema for levado ao plenário do STF em um debate de repercussão geral é grande a possibilidade de as proibições ao aborto previstas no Código Penal serem derrubadas. No Brasil são legais somente os abortos envolvendo gestações que geram risco à mãe e as resultantes de estupro. A decisão pioneira do STF causou reação imediata da Câmara dos Deputados. Com 90% de homens em sua composição e dominada pelas bancadas mais conservadoras desde 1964, a Câmara reagiu de maneira quase instantânea.
Ainda na terça o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), criou uma comissão especial que pode incluir na Constituição uma regra clara sobre aborto. “Sempre que o Supremo legislar, nós vamos deliberar sobre o assunto”, disse Maia. A comissão instalada vai discutir, na realidade, uma proposta sobre licença-maternidade – a PEC 58/11, do deputado Jorge Silva (PHS-ES) – mas pode acabar tornando mais rígida a legislação sobre interrupção de gravidez.
A idéia de que as mulheres possuem um “instinto maternal inato” e que a ela cabe o cuidado do lar e dos filhos foi modificado com a emancipação feminina. Já passou da hora da mulher dispor de direitos sobre si própria, da sua sexualidade e da decisão ou não pela maternidade.

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