Dias de Hoje, por Adriano Dias – 21/02

A cultura que vem da Baixada

Acervo ComCausa

A Baixada teve sua cultura formada com a composição de todas as pessoas que para esta região vieram, começando no período colonial, que trouxeram a mão-de-obra – e consequentemente a cultura – dos africanos. Chegando a leva migratória após o período agrícola, no século passado, com gente vinda do nordeste e outros estados da Região Sudeste. Todos estes trazendo suas histórias, hábitos e tradições nas bagagens e corações.

Assim a força das suas raízes, a luta incessante pela sua sobrevivência, os desafios do território, foram elementos determinantes para que aqui se formasse uma cultura de valor extraordinário, que encontrou nas suas puras manifestações os meios para externar seu pensamento, apesar de todos os obstáculos e percalços. Acredito que, na verdade, na região da Baixada se constitui um dos caldos culturais mais variados e expressivos do país.
Intimamente ligada à Metrópole do Rio, a região até hoje ainda sofre constantes preconceitos. Entretanto, pelas tradições que herdou dos seus antepassados e da religiosidade que marcou sua formação – associada à renovação dos movimentos legítimos da juventude – hoje a Baixada congrega uma forte identidade cultural, mesmo na imensidão das suas expressões.
Mesmo sendo constantemente estigmatizada pela violência, e tendo a sua visibilidade priorizada nas tragédias, acredito que a Baixada Fluminense ainda é a retaguarda estratégica para desconstruir a cultura de violência no estado do Rio de Janeiro. Ainda podemos entrar com a política cultural – entre outras importantes para a construção de uma segurança pública eficiente -, antes dos tanques de guerra e blindados das policias. Aliás, exatamente as “pacificações” dos territórios estão falidas por não terem na sequência da invasão bélica, o fortalecimento prioritário das também vastas expressões culturais das periferias sociais do Rio de Janeiro.
Por fim, é tornando o indivíduo capaz de encontrar o olhar do outro atento e reverente na sua criação artística, o que faculta o reconhecendo seu mérito, de sua iniciativa e criatividade. Assim, teremos a visibilidade tão ansiada pelas pessoas, principalmente os mais jovens através da produção e do consumo de cultura que propicia esta troca. Então, a proposta é chegar ao fundo desta sociedade perdida no ócio que leva a busca da visibilidade pelo consumismo ou violência, com a oportunidade dos instrumentos para a criação e consumo cultural. Isto não é tão difícil e não custa tão caro, nem em dinheiro, nem em vidas.
Quem produz cultura na Baixada foi forjado na luta de quem enfrenta com altivez os desafios da sobrevivência do cotidiano. Aqui é a terra na qual a cultura é expressão legítima e permanentemente da convocação à vida.

– Adriano Dias
Fundador da ONG ComCausa – Cultura de Direitos, ex subsecretário municipal de Prevenção da Violência de Nova Iguaçu.

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