Dias de Hoje, por Adriano Dias – 20/06

A Cultura do extermínio na Baixada – Parte II

Após o Golpe Militar, percebendo o peso político da Baixada os logo quem detinha o poder remanejou a geopolítica da região. Iniciando nas duas maiores cidades, Duque de Caxias passou – por conta da REDUC – a ser “Área de Segurança” tendo prefeitos indicado pela ditadura. Nova Iguaçu, na época a oitava cidade em população do país, teve entre eleitos e interventores 8 prefeitos de 1963 até 1969. O controle era tamanho que a Câmara Municipal de Nova Iguaçu fazia periodicamente reuniões na Vila Militar – os militares controlavam a rédeas curtas até os vereadores.
Com o controle político da região, a ditadura deu apoio à criação de um dos maiores esquemas de extermínio no Brasil. Com o financiamento de empresários locais, respaldo de grupos políticos locais, e a participação direta e indireta de policiais. Começou a ascensão dos “esquadrões da morte” na Baixada, que não se limitaram a matar subversivos ou bandidos, muitos eram trabalhadores, na sua maioria jovens e negros.
O auge da matança foi nos anos 1970, porém no início dos anos 1980 o processo de redemocratização do país facilitou a maior divulgação dos assassinatos na imprensa e começou a dificultar a ação dos grupos que agiam livremente na década anterior. Por esta época surgiu o mito do “Mão Branca”, na verdade uma marca usada por vários grupos para estigmatizar o terror. Outra questão foi que vários grupos atuavam na mesma região – o que criou uma “disputa de mercado” forçando a “sofisticação do serviço”: policiais civis e militares se transformaram em agenciadores. Um embrião das empresas de segurança privada vinculadas a policiais, bombeiros e políticos que atuam ainda hoje.
Além disso, os movimentos populares, que estavam se reorganizando, começaram a cobrar providências do poder público forçando assim que o então governador Leonel Brizola criasse a uma comissão para apurar os crimes. Entretanto, a atitude só começou a expor a profundidade da rede do extermínio no Poder Judiciário, na política local e o envolvimento de pessoas influentes da região.
Com o fim da ditadura em 1985, os matadores que recebiam proteção do regime militar passaram a ter autonomia e diversificar suas ações, passando pelo roubo de carga, tráfico e jogo. Em paralelo, nas comunidades da Baixada sem assistência do Estado, principalmente segurança, os moradores se uniram a policiais para matar ladrões que agiam nos Bairros.
Com a omissão do governo Moreira Franco no que se referem a essas práticas, os homicídios na região chegaram a 95,55 mortos por 100 mil habitantes em 1989 – muito acima do índice nacional da época, de 26 homicídios por 100 mil habitantes.
A partir deste período a maneira de agir também começava a mudar, em vez de ostentar pilhas de cadáveres, os matadores passaram a sumir com as vítimas.
Ainda na década de 80, devido a popularidade nas comunidades que controlavam como “xerifes”, às práticas assistencialista e a truculência que garantia que nenhum outro candidato faria campanha na sua área, os matadores começaram carreiras políticas como forma de tornar legítimo o controle das regiões. Além disso, usavam seus cargos políticos para se proteger diante da lei.
Um dos exemplos é Jorge Júlio Costa dos Santos, o Joca. Acusado de roubo de carga – ao qual venderia para aos comerciantes que prestava serviços de extermínio – montou um esquema de distribuição de alimentos, ameaça a adversários e fraude eleitoral. Foi vereador em Nova Iguaçu, e com a emancipação de Belford Roxo foi eleito prefeito com mais de 60% dos votos. Processado, nunca foi condenado por falta de testemunhas. Foi morto quando ia se encontrar com o governador Marcelo Alencar. Segundo a polícia, latrocínio.
Com a força dos votos os membros de grupos de extermínio, agora vereadores, deputados e prefeitos, conseguem prestígio junto ao governo estadual para manter aliados em cargos estratégicos que acobertam seus crimes, e afastam os que atrapalham os “negócios”. Da década de 1960, até 2017, muita coisa se sofisticou ainda mais com a intensificação da chamada “guerra às drogas”.

 

Continua

 

– Adriano Dias é fundador da ComCausa

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