DIAS DE HOJE, por Adriano Dias – 03/10

Pela cura dos canhotos

* Adriano Dias

Os canhotos historicamente sempre foram marginalizados pela sociedade. Existiram períodos que sofriam agressões físicas para corrigir seu mau hábito. Foram acusados de possessão demoníaca e até pacto com o diabo. Muitas vezes os canhotos eram humilhados publicamente para que sua terrível anomalia fosse cada vez mais objeto de escárnio pela sociedade. Algumas pessoas foram parar até nas fogueiras da Inquisição pelo fato de serem canhotas. Apesar disto tudo, em tono de 10% da humanidade teima em ser canhota, indo de contra bases cientificas de neurologistas, antropólogos e até geneticistas.
Existem mais de 100 referências na Bíblia em que o lado direito ser melhor que o lado esquerdo. Além disso, as poucas vezes e que a mão esquerda é referenciada pelo livro sagrado dos cristãos, é de maneira negativa.
No latim, a palavra sinistro, aquele que usa preferencialmente a mão esquerda, diz-se de pessoa, esquerdo, canhoto – ao contrário de destro -, é também referenciado a funesto, agourento, que pressagia morte ou que traz consigo desventuras e desgraças.
Ser canhoto já foi considerado egodistonia, que é uma patologia por força do sofrimento subjetivo que é a ausência de sintonia entre o quê o corpo e o psique impõem, contrariando o que é de entendimento cultural, social e até religioso da sociedade.
Eu tenho um filho canhoto que tem 7 anos de idade. Fico imaginando se ele tivesse nascido em outra época. O que poderia passar pelo simples fato de seu cérebro controlar de maneira diferente, da maioria das pessoas, uma função motora. Graças a Deus ele nasceu em outros tempos.
Nada é mais caro na vida para mim do que ver meu filho feliz, ele pode ser canhoto ou não, então não admitiria de forma alguma que ele passasse algum tipo de humilhação, que a sociedade o venha a constranger ou seja vitima de alguma violência por ser canhoto. E sempre o amarei independente de escrever com a mão direita ou com a mão esquerda.
Então todas as pessoas que tenham filhos ou filhas canhotas devem ter a compreensão de como absurdo, moral e legalmente, é a imposição da cura dos canhotos. Não se cura aquilo que não é doença. Não se conserta o que é próprio do sujeito.
Minha opinião é que aqueles que querem curar os canhotos se veem refletidos neles. Como não consegue romper com seu sofrimento interno, tenta infringir nas outras pessoas, a mesma, ou pior, amargura.
Evidente também que existe aqueles que por serem completamente sem conteúdo, compõem hordas de imbecis pela cura dos canhotos, no afã de se fazer – nem que seja por alguns segundos -, em alguma rede social de internet.
Entretanto existem os piores, aqueles que calculam o quanto pode ganhar seguidores, votos e dinheiro impondo a cura dos canhotos.
Quanto ao medieval juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, que concedeu uma liminar que, na prática, determina que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) altere a interpretação de suas normas de forma a não impedir os profissionais “de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re)orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia”. O que nos cabe é afirmar é que continuarei amando meu filho por ser canhoto, o que, aliás, hoje se atribui até uma maior inteligência para as pessoas que utilizam mais a mão esquerda. Também não vou admitir em nenhum momento ele qualquer tipo de sofrimento ou tentativa de cura. Seja por ser canhoto ou, no futuro, pela sua afetividade ao próximo.

– Adriano Dias é fundador da ComCausa

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