DIAS DE HOJE, por Adriano Dias – 16/01

Sociedade lobo da sociedade

Em pesquisa realizada no final do ano passado pelo Instituto Datafolha, e divulgada na primeira quinzena de 2018, mostra que a maior parte da população mantém um posicionamento reacionário, praticamente antidemocrático, mesmo que estes estejam exatamente na alça de mira e são potenciais vítimas das próprias convicções.
Os temas principais da pesquisa são os que mais geram debates e polêmica na sociedade, principalmente em tempos de maniqueísmo polarizado.  Em dados estatísticos, os resultados são preocupantemente incoerentes considerando que boa parte dos brasileiros, cerca 65%, está na faixa que acumula a chamada ‘baixa renda’ até a ‘faixa da miséria’. Que, além da capacidade financeira de acesso a bens duráveis, considerando somente o viés econômico, estes são os de menor escolaridade, os que têm pouco acesso a serviços públicos e, consequentemente, são as principais vítimas das violações de direitos.
Na questão da violência onde a população mais pobre fica mais à mercê – seja dos conflitos interpessoais, a ação dos grupos criminosos (na sociedade e de agentes do Estado) -, de um ineficiente sistema judicial para quem não pode pagar os custos processuais. Temos 57% favorável à pena de morte. Já na questão do porte de arma de fogo, 42% da totalidade acreditam que devem ter acesso a armamento para enfrentar a violência com as próprias mãos. Entretanto, destaca-se que o índice de aprovação de uma corrida armamentista social que aumenta conforme a renda. Pelo óbvio, quem tem mais posses patrimoniais acredita que tem o direito de usar uma arma para defendê-los, assim chegamos a quase 50% de aprovação pelos mais ricos.
Outros temas que geram controvérsias retratam uma distorção entre a realidade e a opinião. Considerando que as pessoas mais pobres são as mais impactadas com a questão do tráfico ilegal de drogas (alguém já viu o blindado “caveirão” invadindo festa Rave?), e a violência gerada direta ou indiretamente pela ‘guerra às drogas’. Temos 66% do total dos brasileiros a favor do proibicionismo, assim como em relação à questão do aborto, no qual 57% da população acha que a mulher deve ir para cadeia. Exatamente na faixa de maior incidência de gravidez não planejada, entre os estudantes do ensino fundamental – os que recorrem as clínicas clandestinas de aborto em piores condições -, cerca de 71% acredita que deve manter a proibição. Curioso é os que os que ganham acima de 10 salários mínimos – os que podem pagar locais em melhores condições para a prática do aborto – são os que mais defendem a regulamentação da interrupção legal da gravidez, somente 26% são favoráveis a manter a criminalização.
Quem atua na ponta, literalmente nas ruas até as instâncias de poder político, empiricamente sabe destes posicionamentos. Pois, apesar dos milhões retirados da miséria, continuamos a ter uma população racista, homofóbica, xenofóbica, machista, que promove a intolerância religiosa e o preconceito territorial. Que devido a alguma mobilidade social conseguida na ultima década, reafirma sua suposta nova posição na pirâmide reproduzindo posicionamentos reacionários. Assim temos o oprimido, oprimindo o oprimido, ou, parafraseando Thomas Hobbes, o homem é o lobo do homem: a sociedade aceita e promove situações em que é violada. Para reverter, devemos usar todos os espaços de debates, da pessoa ao lado no banco de ônibus, passando pelas redes sociais de internet até escolas, universidades e poder público. Talvez assim, em alguns anos, possamos converter corações e mentes para uma sociedade com mais cultura de direitos que não legitime o próprio extermínio.

– Adriano Dias é fundador do ComCausa

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