Ao condenar os executivos da empreiteira Camargo Corrêa também por organização criminosa – além de corrupção e lavagem de dinheiro -, o juiz federal Sérgio Moro afastou taxativamente a tese de vários defensores de acusados da Lava Jato de que a lei 12.850/2013 não poderia ser aplicada para este caso. A lei 12.850/13, do governo Dilma Rousseff (PT), define as sanções aos integrantes de organização criminosa. Foi publicada em 2 de agosto de 2013 e entrou em vigor 45 dias depois. “Portanto, (a lei) entrou em vigor apenas após a prática da maior parte dos crimes que compõem o objeto desta ação penal”, assinalou Moro, na sentença em que impôs penas superiores a 15 anos de reclusão a dois ex-executivos da Camargo Corrêa – Dalton Avancini e Eduardo Leite – e 9 anos e seis meses a João Ricardo Auler, da mesma empreiteira.
O juiz da Lava Jato assinalou que “ao contrário do que se pode imaginar, o tipo penal em questão não abrange somente organizações do tipo mafiosas ou os grupos criminosos que, no Brasil, se organizaram em torno da vida carcerária”.
“Evidente que não se trata de um grupo criminoso organizado como a Cosa Nostra italiana ou o Primeiro Comando da Capital, mas um grupo criminoso envolvido habitual, profissionalmente e com certa sofisticação na prática de crimes contra a Petrobras e de lavagem de dinheiro”, alerta Sérgio Moro. “Isso é suficiente para o enquadramento legal. Não entendo que o crime previsto na Lei 12.850/2013 deva ter sua abrangência reduzida por alguma espécie de interpretação teleológica ou sociológica. As distinções em relação a grupos maiores ou menores ou mesmo do nível de envolvimento de cada integrante devem refletir somente na dosimetria da pena.”
Moro observa que pela definição prevista no parágrafo 1.º do artigo 1º da Lei 12.850/2013, “considera-se organização criminosa a associação de 4 ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
Ele destacou que ‘devido a abrangência da definição legal, deve ser empregada em casos nos quais se constate a existência de grupos criminais estruturados e dedicados habitual e profissionalmente à prática de crimes graves’.
“No caso presente, o grupo criminoso dedicava-se à prática, habitual, reiterada e profissional, de crimes contra a Petrobras, especificamente dos crimes de cartel e de frustração, por ajuste, de licitações, de corrupção de dirigentes da Petrobrás e de lavagem de dinheiro decorrente, todos com penas máximas superiores a quatro anos”, escreveu Sérgio Moro. Segundo o juiz, “o grupo praticou os crimes por longos períodos, desde 2008”. “Havia estruturação e divisão de tarefas dentro do grupo criminoso.”
“Ainda que talvez não na mesma intensidade de outrora, há provas de que o grupo criminoso encontrava-se ativo depois de 19 de setembro de 2013, assim permanecendo nessa condição pelo menos até 17 de março de 2014, quando cumpridos os primeiros mandados de prisão”, observou o juiz.
Moro anotou: “O crime associativo não se confunde com os crimes concretamente praticados pelo grupo criminoso. Importa saber se as atividades do grupo persistiam após 19 de setembro de 2013. Há provas nesse sentido.”
Paulo Roberto continuou recebendo
depois de sair da estatal
Moro destaca que o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa – réu e delator da Lava Jato – “persistiu recebendo propinas mesmo após deixar seu cargo na petrolífera, o que é ilustrado pelos contratos de consultoria por ele firmados com diversas empreiteiras”.
Depois que deixou a estatal, Costa criou empresas de assessoria pelas quais recebeu valores ilícitos de empreiteiros, segundo aponta a força-tarefa da Lava Jato. No caso específico da Camargo Correa, segundo o juiz Moro em sentença de 150 páginas, ontem, 20, “há prova de que (a empreiteira) efetuou o pagamento de propinas pendentes a Paulo Roberto Costa, mediante simulação de contratos de consultoria, durante todo o ano de 2013, inclusive com R$ 2,2 milhões pagos em dezembro de 2013, quando também foram produzidos novos documentos fraudulentos para acobertar o fato.”
“Se o crime fim da associação, encontrava-se ainda em execução depois de setembro de 2013, não se pode afirmar que o vínculo associativo e programa delitivo dele decorrente havia se encerrado antes da Lei 12.850/2013”, destaca o juiz da Lava Jato.
“Não tem tanta relevância, como alega a defesa de João Auler, que este acusado não tenha executado diretamente este ato de dezembro de 2013, já que o crime em questão é associativo e era o programa delitivo, do qual ele participou na elaboração, que estava em execução ainda depois de setembro de 2013.”
O juiz observou que ‘o subgrupo dirigido por Alberto Youssef (doleiro da Lava Jato) encontrava-se em atividade, sendo ela interrompida apenas com a prisão cautelar dele em 17 de março de 2014’.