A recente polêmica envolvendo os limites entre o Estado laico e o exercício da fé entre parlamentares no Brasil deve ganhar um personagem de peso em breve. Seu nome: Estatuto da Liberdade Religiosa. O autor é o deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG), um dos mais próximos aliados do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
O projeto foi apresentado em caráter oficial no último dia 17, em visitas a Cunha, ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ao vice-presidente, Michel Temer. Em todos os atos estiveram presentes diversas lideranças religiosas cristãs, judaicas e muçulmanas. Em comum, todas externaram o que chamaram de aumento dos “atos de violência simbólica e intolerância”.
Garantida pelo artigo 5º da Constituição Federal, a liberdade religiosa passaria a ser ‘regulamentada’ de uma maneira mais clara. Mais do que isso: o estatuto dará segurança jurídica para atuação de religiosos das mais diversas vertentes, indo em vários pontos na contramão do que minorias buscam com a criminalização da homofobia.
Nesta semana, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, cobrou uma atitude dos deputados neste sentido. Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), ele indicou que a homofobia deve ser alinhada ao que prevê a Lei do Racismo, enquanto o Legislativo federal não produz uma lei específica para a comunidade LGBT. Mas isso parece improvável, pelo menos nesta legislatura, na qual bancadas conservadoras são a maioria.
“Integro um grupo que conta com 50 parlamentares de todo o mundo e que trata da liberdade religiosa e de crença”, disse ao Brasil Post o autor da proposta, Leonardo Quintão.
Em seu site oficial, o deputado do PMDB mineiro disse que “o estatuto visa proteger e garantir o direito constitucional fundamental à liberdade religiosa aos brasileiros, e combater toda e qualquer forma de intolerância, discriminação e desigualdades motivadas em função de credo religioso no território brasileiro”.
O estopim para o projeto ganhar corpo teria sido a representação teatral da crucificação de Jesus Cristo, protagonizada por uma transexual durante a Parada Gay de São Paulo. “Não concordamos com a violência simbólica que em alguns momentos têm acontecido no nosso país. O direito de liberdade religiosa é o principal direito humano fundamental e nós precisamos deixar isso bem claro na legislação federal”, comentou Quintão ao site da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), entidade que participou da produção do projeto.
A proposta, que conta com 50 artigos, foi tão bem recebida que, no mesmo dia, Eduardo Cunha determinou a criação de uma comissão especial. A meta das bancadas religiosas do Congresso Nacional é que o Estatuto da Liberdade Religiosa avance após o recesso parlamentar, no segundo semestre deste ano. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara deverá ser a primeira a analisar a proposta, a sua constitucionalidade e, caso aceita, deverá votá-la.
Depois das comissões, o projeto vai a plenário e, aprovado, segue para o Senado, Casa na qual Calheiros já avisou que tentará “uma rápida análise”. “A liberdade religiosa é um assunto que diz respeito a todos nós”, declarou o senador.
Estatuto promete muita polêmica
Uma leitura do teor completo do Estatuto da Liberdade Religiosa, que conta com 22 páginas, mostra que temas sensíveis às minorias serão afetados. Alguns tópicos confirmam o amarrado pró-religiosos.
O ‘artigo 4’ pode proteger manifestações como o Pai-Nosso coletivo, realizado pelas bancadas conservadoras em plena sessão que discutia a reforma política. E não é só: impede taxar como ‘discriminação’ as opiniões contra minorias, como os LGBTs, se baseadas na fé – um ‘balde de água fria’ na criminalização da homofobia. (Art. 4º – É livre a expressão e manifestação da religiosidade, individual ou coletivamente, por todos os meios constitucionais e legais permitidos, inclusive por qualquer tipo de mídia, sendo garantida, na forma da Lei, a proteção a qualquer espécie de obra para difusão de suas ideias e pensamentos).
O artigo 15 diz que “os pais ou os responsáveis legais da criança ou do adolescente têm o direito de organizar sua vida familiar conforme sua religião ou suas convicções e têm o direito de educar os filhos em coerência com as próprias convicções em matéria religiosa, no respeito da integridade moral e física do menor e sem prejuízo da saúde deste”.
O tópico garante que iniciativas como a ‘ideologia de gênero’ na educação brasileira sejam definitivamente enterradas.
A transexual que encenou a crucificação de Jesus Cristo poderia ser enquadrada no Artigo 44 (“Consideram-se, ainda, atos discriminatórios e de intolerância contra a liberdade religiosa, para os efeitos deste Estatuto: I – praticar qualquer tipo de ação violenta, seja esta real ou simbólica, que seja, assim, constrangedora, intimidatória ou vexatória baseado na religião ou crença da vítima”).