Filme: “Polícia Federal – A lei é para todos!”

*Alexandre Santana Sally

Estive na pré-estréia do filme, dia 7 deste mês, na sala de cinema onde estavam o produtor, diretor e elenco, e pude avaliar, de forma isenta, a produção. Como entretenimento vale a pena assistir. Enaltece a Polícia Federal, aos olhos da sociedade. Porém, para profissionais de Segurança Pública e, especificamente, os Policiais Federais (que são Agentes, Escrivães, Papiloscopistas, Peritos e Delegados), o filme, apesar de tratar de uma Operação que marcou o País e está passando o Brasil à limpo, está longe de mostrar a realidade da investigação policial, sendo rico em fantasia, ficção e perfumaria. Recebi indagações da imprensa em geral, e, por isso, reproduzo aqui as respostas que forneci.
>> O que achou do filme? Enquanto entretenimento é interessante porque dá uma visão positiva para a sociedade sobre a Polícia Federal. É um marketing bom, positivo, mas está longe de ser real. Existem duas análises: 1) para sociedade é legal. Não diria que é excepcional. É morno, mas é vibrante. Tem uma boa trilha sonora, as imagens das viaturas da PF, do serviço em si, é muito legal, dá orgulho de ser Policial Federal. 2) do ponto de vista interna corporis, é uma deturpação deslavada da função policial, porque os delegados, no filme, usurparam funções dos agentes e de escrivães. É como o próprio diretor falou na sala em que eu estava na pré-estreia: O filme é um entretenimento. E, como tal, por não ser um documentário, possui muita perfumaria e ficção. E o que não falta no filme é ficção. A investigação policial foi muito romantizada.
>> Ele condiz com a verdade? – Em relação à investigação policial não, ele não condiz com a verdade porque 90% do que os protagonistas, delegados, fazem no filme são as funções na verdade desenvolvidas por outros cargos, como Agente e Escrivão de Polícia Federal. Não é a Polícia Federal que, embora esteja no título, está protagonizando o filme. São os delegados federais, o que não condiz com a realidade da investigação criminal. Um exemplo: em uma cena, um delegado, apresenta aos policiais o que chamamos de “aranha”. “Aranha” é um organograma que facilita o entendimento e ligações entre fatos, coisas e pessoas, ou seja, parte-se de um alvo e faz-se ligações originando o desenho que lembra uma “aranha”: fulano falou com beltrano, que é dono da empresa tal, que pertence a sicrano, que é parente de fulano… Isso é uma “aranha”. Essa “aranha” é atividade privativa e específica do cargo de Agente de Polícia Federal do Setor de Inteligência. Delegado não faz isso, não realiza esse tipo de serviço. É o Agente de Polícia Federal que exerce essa atividade. No filme, quem surge fazendo a “aranha” é um delegado, o que não condiz com a realidade. Segundo ponto: um delegado dirige uma viatura ostensiva da Polícia Federal. Piada! Nenhum, nenhum delegado dirige viatura da Polícia Federal em operação. Sempre quem está na direção é um agente, escrivão ou papiloscopista. Nunca, nunca um delegado. Em operações policiais não há nenhuma situação de viatura com apenas um único policial e ainda sendo motorista. E isso acontece em várias partes do filme. É outro equívoco. Em uma perseguição policial, um delegado, além de estar sozinho numa viatura e dirigindo, troca tiros com um traficante que está na direção de um caminhão. Fantasioso. Em situações de risco, e em grandes operações, nenhuma viatura fica com apenas um policial (motorista). Sempre estão três ou quatro policiais. Outro exemplo romantizado é a prisão do Youssef. Novamente um delegado corre atrás do Youssef quando percebe que ele está num corredor, indo escada abaixo, Youssef no elevador, e o prendendo no táxi. E os outros policiais que estavam com ele? Normalmente quem corre atrás do bandido é o Agente. Delegado correr atrás de bandido, na prática? Risível. Essas são algumas das incongruências que percebi. Existem mais, de ordem estritamente policial e sensível, que não posso focar aqui.
>> O que faltou no filme? – Faltou a expressão da realidade do sistema de investigação, a realidade do dia a dia policial! O que ficou claro no filme? Em nenhum momento se fala no Inquérito Policial e não se verifica ali a execução do inquérito, que é o instrumento da única função do Delegado: presidir Inquérito Policial. E o que fica latente? A imprestabilidade do inquérito, que não há necessidade de Inquérito Policial. O filme é todo investigativo, é o desenrolar de uma investigação, do serviço de inteligência, de intercepção, de abordagem, de seguir alguém, de campana, que são atividades típicas de investigação policial. Então fica claro que o sistema de investigação no Brasil é ultrapassado. O inquérito só existe no Brasil e ele não foi explorado nesse filme porque é totalmente desnecessário para elucidar um crime como a Lava Jato. O que sobrou? Sobrou corporativismo de um único cargo e não da “Polícia Federal”. Se o título do filme é “Polícia Federal” deveria retratar a função exercida por cada cargo no curso da investigação e não focar apenas no cargo de delegado, colocando-o, equivocadamente, como executor das funções e atribuições de agente e de escrivão, como se ele fosse um super-herói, um super-policial, e realizasse todas essas funções. As funções realizadas pelos delegados no filme são noventa por cento atividades de agentes e escrivães e não de delegado. Faltou retratar a Polícia Federal com espírito de corpo, como equipe, porque toda investigação é resultado de trabalho em equipe. Quem é a equipe: o administrativo, o agente, o escrivão, o delegado, o perito e o papiloscopista. Esses são os envolvidos no curso da investigação policial. Se retratasse o trabalho em equipe, o título do filme “Polícia Federal – A Lei é Para Todos” estaria perfeito, pois a Polícia Federal não é feita somente por delegados, mas pela carreira policial federal composta por cinco cargos: agente, escrivão, papiloscopista, delegado e perito. Da forma como se apresenta o filme o título deveria ser “Delegado Federal – A Ficção do Super Policial”. O filme demonstra um corporativismo exagerado, exacerbado e oportunista do cargo de delegado. Afinal, quem não gostaria de exercer as funções vibrantes, emocionantes e contagiantes, dos agentes e escrivães, mas com salário de delegado? É isso que eles tentam fazer…
>> A que atribui essa distorção? – O que posso deduzir é que o produtor ou diretor do filme, ao procurar a Polícia Federal, foram direcionados pelo DG para falar somente com delegados. Eles deveriam ter conversado e ser auxiliados, enfim, assessorados, por um policial de cada cargo: agente, escrivão, delegado, perito e papiloscopista, e um administrativo. Como vêm as partes 2 e 3, ainda, deste filme, espero que sejam corrigidas as distorções.

*Alexandre Santana Sally é agente de Policia Federal; presidente do Sindicato dos Policiais Federais de SP; diretor de Relações Internacionais da OIP e secretário nacional de Segurança Pública da NCST

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