DIAS DE HOJE, por Adriano Dias – 06/02

Só uma estupradinha de leve

Não é inédito o entendimento que a construção da masculinidade está ligada à construção da violência e vice-versa. Como se explica que cerca de 95% dos crimes letais do mundo são executados por homens? As mulheres também cometem crimes, mas esta questão é chave. Não tem como nós tratarmos das violências sem tratarmos a desestruturação da masculinidade como inerente a agressividade.

Existe um entendimento social que, passa a ser homem aquele que se faz ameaçador, o “brabo” que não leva desaforo para casa e que tem mais “fêmeas”. Na adolescência e juventude isso toma contornos assustadores em uma sociedade em que a visibilidade do indivíduo está baseada em sua capacidade de consumo. Mas, se todos os jovens homens não podem comprar o que lhes dá destaque entre os outros, como serão notados? Pela violência. Esta última também usada muitas vezes para se obter a o desejado ‘poder de ser visível’ pela ostentação de bens.

Se o consumo não é de acesso para todos – principalmente entre os jovens mais pobres dos territórios socialmente periféricos, como a Baixada Fluminense – a sedução das dinâmicas da pratica do crime, seja do consumo de substâncias elencadas ao hall do proibicionismo, ou lícitas como o álcool é o recurso que lhes é apresentado como forma de se destacarem. Salientemos a Catuaba, tema de outra música que inspirou esta reflexão. Cabe-nos a todo custo buscar reconhecer e fortalecer outras dinâmicas de valor, pois também pelas virtudes estes jovens podem ser visíveis.

Acredito que está na potencialização de cada indivíduo, tornando-o capaz de encontrar o olhar do outro atento, reverente em seu mérito, a solução mais barata – em recursos e vidas – para começarmos a desmontar o espiral de violência que normatiza e glorifica determinadas práticas. Não custa tão caro. Sim, exige recursos e investimentos, não bilionários como da área de segurança pública, mas tem que ter delicadeza e vontade de potencializar valores. Ou seja, boa vontade. Para que a vítima de uma cultura de violência hoje, não seja o futuro perpetrador dos abusos.

Também não é nenhum conceito novo que a cultura e o esporte são os instrumentos principais que propiciam a grande experiência de reconhecimento e valorização. Paralelo, fazer da educação um setor atrativo, não punitivo, através de repensar as pedagogias alinhadas as novas, e agora mais acessíveis, tecnologias.

Então, a proposta é chegar ao fundo desta juventude que não tem acesso a valores culturais e educativos, invisíveis perdidos neste vazio, no ócio, e buscar oferecer uma oportunidade na criação. Contrário a isso, com o acesso a meios de produção e veiculação, os valores da cultura de violência é que trazem a tão desejada visibilidade, nem que seja pela polêmica e promoção da violação.

A Baixada Fluminense sofre uma violação que parece legitimar a política de zona de exclusão e o preconceito regional. Alinhada a uma das manifestações mais graves da desigualdade no Brasil, que se dá pelo não no acesso à Justiça. Temos assim a situação perfeita para “só uma estupradinha e deixa na pista”. Cidades como Nova Iguaçu, que tem uma Delegacia de Defesa da Mulher que atende há vários municípios da região, lidera o ranking de violência de gênero.

Na nossa experiência no movimento social, testemunhamos os outros sofrimentos de mulheres vítimas de abuso sexual e que foram novamente violentadas no tratamento das delegacias de polícia e nos Fóruns.

Destaco que a livre pratica sexual é direito de todas as pessoas, sem nenhum moralismo. Mas, considerando a conjuntura e o público alvo da música que inspirou este texto, está resumida no artigo 286 do Código Penal que trata sobre apologia ao crime.

– Adriano Dias é fundador da ComCausa

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