Ciência e fé

A condição de homem-deus, atribuída a Jesus, tem sido questionada, ao longo do tempo, por cientistas e historiadores, com base em princípios científicos e teorias racionalistas.
Esse entendimento é de voo curto e raso, sem sustentação, considerando que o método científico não serve para estudar Deus, da mesma maneira que nunca servirá para medir a beleza, a poesia e a ternura.
O critério pelo qual Deus faz suas medições não é deste mundo, evidenciando que conhecimento religioso não é a mesma coisa que conhecimento científico ou histórico.
Os textos bíblicos, escritos sob inspiração divina, cuidavam de necessidades específicas que surgiam com base no que pensavam, acreditavam e pregavam os primeiros cristãos. Cada livro tem estilo próprio e foi escrito em determinadas circunstâncias por um narrador diferente. A ideia de Deus não é verificável, assim como o sentimento amoroso, pertencem ao mistério, desvinculados da racionalidade.
Contudo, não devemos nos iludir, porque o jardim no qual vivemos, tanto oculta como traz revelações a respeito de Deus. Ele criou este mundo. Algo que lhe deu enorme prazer. Por isso não devemos fugir do mundo natural, como fazem os monges do deserto e tantos outros fundamentalistas, nem negar o sobrenatural.
Alguém já disse: “Se a alma pudesse conhecer a Deus sem mundo, o mundo nunca tenha sido criado”.
O lugar mais próximo de Deus não é a igreja, mas o jardim. É lá onde as pessoas ficam mais felizes.
O todo poderoso não força, sobre nós, sua presença. Quando deuses inferiores nos seduzem, Deus se retira, respeitando nossa inexorável liberdade para ignorá-lo. Sendo preciso atenção e esforço de nossa parte para seguir a orientação: “Lembre-se do seu criador”.
As religiões falsas, manipuladas e barulhentas, mesmo alegando pretextos nobres, nos afastam da realidade de Deus, porque a verdadeira religião, será sempre, por definição, uma descoberta individual, fruto de mil quedas, erros e sucessos.
Multidões de cristãos não têm ideia de que o amor constitui a verdadeira religião, e que não devemos nos acomodar na falsa segurança dessas igrejas. Deus pode ser encontrado na beleza das coisas, nos atos de pureza, na honestidade e no profundo e delicado respeito uns pelos outros.
Desde tempos imemoriais que padres, pastores e mulás estimularam guerras em nome de Deus, que só eles têm acesso, que só eles conhecem e interpretam.
O consagrado filósofo holandês, Spinoza, relata que em uma experiência mística, que sofreu uma severa reprimenda de Deus, com esta mensagem: “Pare de ir a esses templos lúgubres obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa. Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos lagos e nas praias. Aí é onde eu vivo e aí expresso meu amor por ti. Pare de pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se te fiz e enchi de paixão, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio, como posso te culpar se respondes a algo que pus em ti. Não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti: quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricia teu cachorro. Pare de louvar-me! Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja! Me aborrece que me louvem. Me cansa que me agradeçam. Tu te sentes grato? Demonstra-o cuidando de ti, da tua saúde, de tuas relações, do mundo. Procura-me dentro de ti. Aí é que estou.”
Muitas pessoas desejosas de entregar-se, por completo, a Deus, retiram-se às montanhas, à solidão, à penitência e a contemplação de Deus. São tidas com homens e mulheres santas. Esse não é o melhor caminho para encontrar o reino de Deus. Esse reino está, acima de tudo, nos próprios homens que nos cercam.
Jesus pode ser aceito como aquele que foi enviado por Deus para revelar o próprio Deus e redimir a humanidade. Representa o elo entre o céu e a raça humana. Numa afirmação espantosa, declarou: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra”.
Foi direto e contundente, sem margem para ressalvas ou comentários. Sua passagem entre nós foi avassaladora, dividindo a história entre antes e depois dele.
Martin Lutero, o inspirador do protestantismo, disse a respeito de Jesus: “É notável como um homem que não era rico, nunca ocupou cargo público e nunca visitou um lugar que ficasse a mais de dois dias a pé de distância da localidade de onde nasceu, possa ter exercido tanta influência com seus ensinamentos, profecias e parábolas”.
Pedro, apóstolo, companheiro do mestre, casado, primeiro papa e escolhido para liderar a nascente igreja, disse: “Este Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e mestre”.
Paradoxalmente, parte considerável da humanidade não cultua Jesus como um Deus-homem, a começar pelo seu próprio povo, os judeus e sua religião oficial, o judaísmo. Segue-se o islamismo, hinduísmo, taoísmo, confucionismo e uma gama de seitas de raízes africanas.
Jesus não veio apenas para apontar o caminho para a fé, para ser um profeta ou simplesmente um mestre de sabedoria religiosa ou um exemplo de fé religiosa. Em vez disso, sua obra forneceu os meios da salvação. Ele foi muito mais que um profeta, sendo esta razão dele ter sido adorado e considerado alguém que compartilhava a glória com Deus sendo seu filho.
Toda discordância e não aceitação desta realidade pode ser explicada pelo atributo do livre-arbítrio, concedido a todos, por Deus, que proporciona escolhas. Foi planejado luz e trevas. Bem e mal. Esperança e desespero. Depende da pessoa fazer a sua escolha. Tal atributo foi concedido para que à luz da espiritualidade possamos evoluir na trilha do bem. O contrário seria o determinismo, onde todos agiriam conforme um roteiro preestabelecido. Seríamos semelhantes a robôs. Assim, nosso destino já estava determinado, não haveriam escolhas.
Não existe qualquer pressuposto humano (intelectual, cultural, econômico, psicológico, etc.) que deveriam estar previamente cumpridos para que possa haver fé. Pode-se crer em qualquer condição social, como criança ou adulto, como culto ou inculto, como pessoa simples ou complicada, na tempestade ou no silêncio, em todos os degraus de todas as escadas humanas imagináveis. Crer é fácil e difícil de forma idêntica para todos. Ela é possível para todos por ser igualmente impossível para todos.
Para Jesus a fé não consiste, em primeiro lugar, naquilo que se crer e sim no modo como proceder. Ele fazia desconcertantes afirmações de que prostitutas e os odiados cobradores de impostos terão precedência no reino de Deus e não os exemplares sacerdotes. Reconhecia como crente, não propriamente quem aceita o que prega a religião e sim quem age por amor, solidariedade e justiça. Afirmou que o homem com mais fé que até então havia encontrado era um oficial romano. Discípulos e apóstolos foram considerados “homens de pouca fé”.
Na verdade, constitui grande equívoco designar as pessoas desligadas de igrejas como afastadas de Deus, descrentes ou injustas. Também elas podem ser tementes a Deus e eleitas por Deus sem serem compreendidas por outros como tais. Muitas pessoas praticam atos reprováveis sob o ponto de vista social e religioso, mas podem ser agradáveis aos olhos de Deus.
Não seriam as exigências religiosas um empecilho ao conhecimento autêntico de Deus? Há igrejas com normas comportamentais sobremodo asfixiantes; contém tantas proibições e procuram legislar sobre tantos aspectos da vida cristã que Jesus estranharia.
A historiografia traça uma imagem cruel de Jesus, numa abordagem racionalista, baseadas em fontes pagãs do século I, afirmando não ser crível ou possível que um homem tido como um Deus, que curava doentes, expulsava os demônios e ressuscitava os mortos não causasse temor às autoridades romanas. Não causava. É razoável pensar que sua eliminação tivesse vinda diretamente de Roma. Mas ele não era a pessoa mais significativa em sua própria época. Pelo contrário, ele parecia ter sido praticamente um completo desconhecido.
Ele viveu e morreu no século I. Com a morte por volta do ano 30.
O que fontes gregas e romanas de sua própria época até o fim do século (ano 100 D.C.) tenha a dizer sobre ele? Elas não têm absolutamente nada a dizer sobre ele. Não é discutido, questionado, atacado, vilanizado ou citado de modo algum em nenhuma das fontes remanescentes do período.
Não há registro de nascimento, relatos de seu julgamento e morte, reflexões sobre seu significado ou discussões sobre seus ensinamentos. Seu nome não é mencionado uma única vez em nenhuma fonte pagã. Existem muitas fontes gregas e romanas da época: historiadores, filósofos, poetas, cientistas naturais, milhares de cartas particulares, inscrições em locais públicos, estudiosos de religião.
Jesus é mencionado pela primeira vez em uma fonte pagã no ano 112 D.C. O autor, Plínio, o jovem, era governador de uma província romana. Em uma carta escrita ao seu imperador, Trajano, conta que havia um grupo de pessoas “venerando cristo como um Deus”. É tudo.
Isso parece mentira, afinal Jesus foi o personagem mais significativo da história da civilização ocidental, mas não era a pessoa mais significativa em sua própria época.
O historiador romano, Tácito, amigo de Plínio, ao escrever a história de Roma no ano 115 D.C, mencionou o incêndio provocado por Nero em Roma no ano 64 D.C, que o imperador atribuiu “aos cristãos” não acrescenta nada sobre o que Jesus disse e fez.
O historiado judeu, Flávio Josefo, por volta do ano 90 D.C, escreveu uma história em vinte volumes sobre o povo judeu, desde os tempos de Adão e Eva até seus dias. Em uma das referências ele simplesmente identifica um homem chamado Tiago como “o irmão de Jesus que é chamado de Messias”.
Essa é a narrativa nua e crua oferecida pela história, embora o objetivo dos evangelhos é avançar a fé espiritual e não a verdade material, mesmo que a existência material de Jesus seja o meio pelo qual a verdade espiritual tem expressão.

João Truta
Graduado em Direito, Teologia, Administração de Empresas e Psicologia

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