Projeto para acabar com delegacias divide área da Segurança Pública

Especialistas dizem que medida é inconstitucional e impactará no policiamento ostensivo feito pela PM. De outro lado, associações falam em solução para otimizar recursos e investigações

         O anúncio do governador Wilson Witzel (PSC), que divulgou ontem um projeto para acabar com o modelo atual das delegacias, dividiu opiniões na área de segurança pública. Ele pretende transferir os registros de ocorrências, em todo o estado, para a Polícia Militar. A proposta é realocar os policiais civis em 40 distritos, que funcionarão em imóveis que ainda serão construídos, começando pela Tijuca. Cada imóvel, segundo o governador, custará cerca de R$ 30 milhões — num total de R$ 1,2 bilhão. No primeiro andar, ficarão os PMs com a atribuição de atender a população.
Witzel explicou que a ideia de retirar dos policiais civis a tarefa de registrar ocorrências permitirá que os agentes se concentrem no trabalho de investigações, atribuição da Polícia Civil. Atualmente, 139 delegacias distritais fazem esse serviço, além de 25 especializadas. O governador não especificou, no entanto, se todas entrarão no pacote de mudança proposto.
“Cada distrito vai custar R$ 30 milhões, mas vai dar dignidade e uma nova dimensão para o policial civil. Esse conceito de delegacia é custoso. Se nossa receita fosse de R$ 200 milhões ao ano, teríamos 200 delegacias”, disse o governador, ontem, durante solenidade de destruição de material pirata na Cidade da Polícia.
“Quando eu digo que precisamos colocar a Polícia Civil no segundo andar da delegacia, não é que eu queira fechar as delegacias, no sentido de extinguir a Polícia Civil. O policial civil tem um papel na investigação mais relevante”, acrescentou, voltando-se para o secretário de Polícia Civil, Marcus Vinicius Braga, e dizendo: “Desapega”.
Segundo o governador, o primeiro distrito será criado na Tijuca, na área do 6º BPM, e os batalhões funcionarão integrados às delegacias nos novos prédios. “As estruturas, hoje, precisam ser reformadas. Tanto delegacias, quanto batalhões. Em vez de reformar estruturas antigas, a minha proposta é construirmos o distrito policial”, justificou Wilson Witzel.
O governador lembrou que o modelo já está em teste na Ilha do Governador. Desde junho, PMs estão registrando boletins de ocorrência nas ruas, com tablets.
Especialista: Witzel quer algo que ‘a lei não permite’
Para o presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira, o modelo anunciado demandaria mudança na legislação. Isso porque, ao contrário dos Estados Unidos, que possui uma polícia unificada em distritos, a lei brasileira prevê duas polícias — Civil e Militar — com atribuições diferentes. “Seria o modelo ideal, se tivéssemos uma única polícia. Ele está pegando algo que a lei não permite e criando uma ‘jabuticaba'”.
Bandeira apontou outros riscos. Entre eles, piora no atendimento ao público. “Com 150 delegacias, há um atendimento pulverizado. Mas com 40 distritos, muitos locais não terão mais acesso a atendimento por perto”, destacou. Outro impacto, na visão de Bandeira, é a redução do policiamento ostensivo nas ruas, feito pela PM. “Teríamos um déficit muito grande de policiais nas ruas efetuando o combate ao crime. Vai causar aumento da criminalidade”, acrescentou.

A deputada Martha Rocha, que já foi chefe da Polícia Civil no governo de Sérgio Cabral, também vê inconstitucionalidade: “Não consigo entender a eficiência dessa decisão, nem como ela pode ser adotada, se contraria a Constituição. Ele está mudando o perfil da atividade da Polícia Militar”, reforçou. Ela também criticou os custos para construção dos distritos. “De acordo com o Secretário de Fazenda, será necessário fazer uma movimentação no orçamento, porque ainda faltam cerca de R$ 1,8 bilhão para fechar a última folha de pagamento. Se falta dinheiro para o pagamento, como vamos conseguir construir 40 distritos policiais? O que será feito com as delegacias que existem?”.
Antonio Rayol, delegado federal aposentado, fala em proposta eleitoreira para levantar a imagem da Polícia Militar. “Esses R$ 30 milhões poderiam ser melhor aplicados aumentando os recursos da Polícia Civil, e não fechando delegacia”, concluiu.
Representantes da Segurança são favoráveis
O anúncio feito pelo governador Wilson Witzel foi elogiado por representantes da Segurança Pública, como o presidente da Associação Brasileira dos Profissionais de Segurança do Rio de Janeiro, Vinícius Cavalcante. “É um avanço e será uma solução para otimizar recursos, uma vez que o estado não tem dinheiro para novas contratações”, defende. Para ele, como a Polícia Civil sofre com pouco efetivo, poderá se dedicar às atividades-fim, como as investigações.

Presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Rio (Sindpol), Marcio Garcia opinou no mesmo sentido. “A missão constitucional e atividade-fim da Polícia Civil é a investigação criminal, portanto não há problemas dos registros menos complexos serem confeccionados pela PM, numa base de dados compartilhada com os investigadores”. Para ele, “deixando o policial civil investigar, a sociedade ganha com a celeridade, a PM não fica presa na delegacia e a Polícia Civil ataca o que é importante e grave”.

Hoje deputado, o delegado Carlos Augusto (PSD) diz que a medida de Witzel o pegou de surpresa e, segundo ele, nada foi apresentado à Comissão de Segurança Pública. “É uma ideia nova. Mas se for ruim para a população, e se for um processo que vai prejudicar o andamento das investigações, serei terminantemente contra”, diz o deputado.
Destruição de material apreendido
Na cerimônia realizada ontem, na Cidade da Polícia, foram destruídas 40 toneladas de produtos falsificados. O material é fruto de 80 apreensões deflagradas desde o início do ano passado, pela Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial. Entre os objetos inutilizados estavam cigarros, óculos, calçados, bolsas falsas de grife, além de acessórios e produtos eletrônicos.
O delegado titular, Maurício Demétrio, enfatizou que a Lei 8.377/19, de autoria do deputado estadual Jorge Felippe Neto (PSD), aprovada em abril, permitiu que os materiais sejam destruídos sem ordem da Justiça com o trânsito em julgado. Ele ressaltou, ainda, que seis policiais civis, que trabalhavam nos depósitos, passariam a ser liberados para outras funções. “Isso demorava de 4 a 5 anos. Hoje é de 10 a 15 dias. Eu destruo o material só com o laudo pericial”.
error: Conteúdo protegido !!