PM que matou ao confundir ferramenta com arma vai a júri e tem porte suspenso

Jorge Lucas Martins Paes, de 17 anos, e Thiago Dingo Guimarães mortos em blitz

O sargento Carlos Fernando Dias Chaves, que matou dois jovens ao confundir um macaco hidráulico com uma arma na Pavuna, Zona Norte do Rio, vai à júri popular. A decisão é do juiz Gustavo Gomes Kalil, da 4ª Vara Criminal, que assinou a sentença de pronúncia do policial no último dia 3. O magistrado também determinou, na decisão, a suspensão do porte de arma e o afastamento integral da função policial do agente. O caso aconteceu em outubro de 2015. O sargento nunca foi preso pelo crime.

Para o juiz, a função pública do agente deve ser suspensa “como forma de resguardar o meio social e a própria corporação militar, evitando-se a possível prática de outros delitos, a acarretar, inclusive, responsabilização pecuniária do Estado”. O magistrado também escreveu que a decisão foi tomada porque Carlos Fernando não compareceu em cartório, como determinado desde a abertura do processo contra o praça, por 15 meses.

No momento em que foram assassinados, Thiago Guimarães Dingo, de 24 anos, e Jorge Lucas Martins Paes, de 17, estavam a caminho de uma oficina mecânica. Eles pretendiam devolver um macaco hidráulico que pegaram emprestado para ajudar um conhecido a consertar uma Kombi quebrada. Thiago dirigia a moto e Jorge ia na garupa com a ferramenta.

Em depoimento à Justiça, Carlos Fernando, que à época era lotado no 41º BPM (Irajá), acusou os jovens de fazerem “disque-drogas” e disse que só atirou porque pensou que sua equipe estava “em iminente perigo”: disse ter visto uma submetralhadora nas mãos do jovem que estava na garupa da moto. Após o crime, o sargento permaneceu trabalhando normalmente no 41º BPM por quase um ano, até trocar de batalhão por ordem judicial — hoje, bate ponto no 39º BPM (Belford Roxo).

Um dos jovens, Thiago, havia acabado de saber que seria pai. Comprou enxoval, desistiu do curso de informática que fazia e passou a dobrar o horário de trabalho. Ele não viu Alice nascer, 50 dias depois do crime.

Uma semana antes da publicação da sentença de pronúncia,  escutas telefônicas em que um colega de batalhão do sargento afirma que ele “estava trabalhando com ódio” na época em que matou os jovens. Num diálogo entre dois agentes do 41º BPM (Irajá) interceptado com autorização da Justiça no dia 30 de outubro de 2015 — os crimes aconteceram no fim da tarde do dia 29 — , um dos policiais, ao comentar os homicídios, afirmou que o sargento “ficava falando que ia matar, matar e com isso deixou de ser profissional” e que “qualquer um que ele pegasse, ia matar”

Na conversa, um oficial do batalhão, que teve seu sigilo telefônico quebrado, pergunta ao outro agente como a ação aconteceu. O policial responde que os demais PMs que patrulhavam o local na ocasião “disseram para o Carlos Fernando não atirar, eles gritaram para não atirar, dizendo ‘ninguém atira, não atira, não é arma’”. Em seguida, o PM completa: “O Carlos Fernando mirou e atirou e ninguém entendeu nada”.

Sem três dedos do pé

Um ano e dois meses antes de matar os mototaxistas, Carlos Fernando foi atingido por um tiro de fuzil no pé esquerdo disparado por um traficante durante uma operação no Chapadão. Foi operado e teve três dedos do pé decepados. Após oito meses afastado da corporação, o sargento foi considerado apto a voltar ao patrulhamento pela Junta Médica da PM. “Eu trabalho sem metade do pé”, disse Carlos Fernando, em audiência na Justiça. A defesa do PM alegou que o agente sofre de depressão e ansiedade devido ao caso.

Durante sete anos, Carlos Fernando foi policial do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Desde 2010, estava lotado no 41º BPM, onde integrava o Grupamento de Ações Táticas (GAT), formado por agentes com perfil mais operacional. Em juízo, vários policiais do 41º BPM descreveram Carlos Fernando como “aguerrido”, “proativo”, “com ímpeto de proteger a sociedade”.

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