Decisão sobre prorrogação do prazo para que Crivella responda questionamento do TCM pode ser política, diz especialista

Mesmo com a recomendação do Tribunal de Contas do Município (TCM) de rejeitar as contas da prefeitura no exercício de 2019, quem decide isso é a Câmara de Vereadores. E é por esta razão que pode não ser tão fácil a votação do parecer do TCM. Existe nesse processo um fator político muito importante, já que para deixar de prevalecer o parecer do Tribunal de Contas são necessários 2/3 dos votos dos 51 vereadores. E o prefeito Marcelo Crivella tem apoio da maioria deles, com 32 na sua base. Nesta quarta-feira, a Câmara vota o pedido do prefeito de prorrogar por 90 dias o prazo para responder há uma série de questionamentos do TCM sobre as contas da gestão em 2019, que giram em torno de um rombo recorde, estimado em R$ 4,24 bilhões. A reprovação das contas do prefeito pode levá-lo à inelegibilidade por oito anos, o quê o afastaria das próximas eleições.

Mas o TCM é um órgão de apoio à Câmara e não tem poder deliberativo no Rio. É o que explica André Marques, coordenador executivo do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

— O município do Rio tem o TCM, que nesse caso é um órgão de apoio à Câmara de Vereadores. O Tribunal de Contas faz toda a avaliação das contas do prefeito e manda suas recomendações para a Câmara. No início isso é mais orientativo do que deliberativo, porque mesmo que o Tribunal de Contas recomende uma reprovação, a Câmara tem autonomia para aprovar ou não. É muito mais um conselho, uma análise de um órgão de apoio técnico, mas a palavra final, a deliberação final, é da Câmara de Vereadores. Tem uma questão política que não deveria haver, mas tem. Então é isso, o Tribunal de Contas deverá provar e a Câmara aprovar. Este é o primeiro passo — explicou Marques.

O segundo passo, segundo André Marques, será a votação das argumentações do prefeito para gastos excessivos no mandato de 2019. Se houver aprovação com ressalvas não tem efeito prático, ou seja, sem consequências imediatamente prejudiciais para o prefeito.

— O segundo passo é o fato de a Câmara poder aprovar ou aprovar com ressalvas ou poder reprovar. Se aprovar, acabou. Se aprovar com ressalvas também é uma aprovação e depois vai ter um acompanhamento do Tribunal de Contas para as próximas prestações de contas, os próximos fechamentos, para avaliar se aquelas pendências foram resolvidas. Se aprovado com ressalvas, não tem uma consequência de fato, legal, de inelegibilidade do prefeito, porque no fundo está aprovado. São pontos de atenção que depois vão ser acompanhados, mas não têm uma consequência.

Já a reprovação, diz Marques, é mais grave e pode levar o prefeito à inelegibilidade.

— A reprovação é mais grave porque caberá o entendimento de que o prefeito cometeu alguma ação que não deveria, como não investir o mínimo na educação, o mínimo na saúde, fez alguma coisa que legalmente não deveria fazer, descumpriu alguma determinação legal que o Tribunal de Contas pode ter contado e que a Câmara julgou aquilo como relevante. Na reprovação o prefeito ainda pode se defender, argumentar para tentar reverter essa decisão em um determinado número de sessões na Câmara. Mas se a decisão final foi de que as contas estão reprovadas, ele pode sofrer as sanções que estão previstas na legislação, até se tornar inelegível num próximo período, numa próxima eleição.

Possibilidade de impeachment

A situação mais grave num contexto de reprovação das contas pode ainda ser o prefeito sofrer um processo de impeachment, mesmo se for reeleito nas próximas eleições.

— Vai depender um pouco do motivo da rejeição. Porque se for uma coisa assim do tipo, ele descumpriu uma determinação legal, se for uma coisa mais pesada, ele pode sim sofrer no processo. A gente já viu isso aconteceu no Brasil, infelizmente. Isso vai gerar um processo de impeachment em outra etapa porque aí também entra o aspecto político. Não é porque a conta foi reprovada que ele pode sofrer a abertura de um processo de impeachment. Mas isso não significa que automaticamente ele sofrerá um impeachment por improbidade administrativa. Acho que ele não vai conseguir postergar isso a ponto de passar as próximas eleições. Na hipótese de que ele seja reeleito e a questão ainda estar em aberto, vai dar um pouco mais de trabalho e tomar um pouco mais de tempo, mas mesmo ele reeleito, ele assume em 1º de janeiro e aí toma-se uma decisão final lá na frente, ele pode, sim, sofrer impeachment. Mas se ele jogar mais para a frente ele ganha tempo por esse lado. Pode evitar o risco de não participar das próximas eleições, o que pode ser uma estratégia. Não sei se ele vai aguentar tanto tempo.

André Marques lembra que todo este processo pode ser uma estratégia política.

— O segundo ponto é que isso pode ser uma articulação política. Por exemplo, o prefeito necessitar de mais tempo para poder articular com os vereadores da base para poder garantir o número mínimo necessário para a aprovação das contas. Pode ser uma estratégia. Ele pode estar meio incerto se tem o o número suficiente de vereadores da base na Câmara para poder passar por esse processo. Pode estar querendo ganhar um pouco mais de tempo para poder passar suas argumentações, tanto as técnicas como as políticas, para poder convencer o maior número possível de vereadores. E esse conhecimento pode se dar de várias formas. Pode ser com argumentações técnicas, provar que o Executivo tem razão, como pode ser através também da negociação de cargos, barganha política. Não estou afirmando que é isso que ele está fazendo, de forma nenhuma — disse o professor.

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