Com o fim da geral o Maracanã não é mais do povão

A geral do Maraca está fechada desde 2005 e não recebe mais tribos diversas e personagens populares

A geral do Maraca está fechada desde 2005 e não recebe mais tribos diversas e personagens populares

O documentário “Geraldinos”, dez anos após o final do setor popular, prova que o Maraca não é mais nosso. Selecionado pelo festival “É Tudo Verdade”, o documentário que mostra o fim da geral como um reflexo da elitização do dutebol do Rio de Janeiro estreou ontem, em São Paulo.
Geraldinos foi dirigido por Pedro Asbeg e Renato Martins. Frequentadores do Maracanã, os dois resolveram filmar as últimas dez partidas da geral, realizadas no ano de 2005, antes do fechamento do estádio para a reforma voltada aos Jogos Pan-Americanos 2007.
Os diretores pretendiam lançar o filme nos anos seguintes, mas resolveram esperar no momento em que o Maracanã foi confirmado como sede da final da Copa do Mundo – a arena também será usada nos Jogos Olímpicos 2016. Os megaeventos, portanto, mudaram o foco do documentário.
O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), um dos depoentes do filme, transcende o aspecto meramente esportivo ao analisar o fechamento do setor mais popular. “O fim da geral é o fim de uma concepção de estádio e a derrota de um projeto de cidade”, constatou.
Embora claramente separadas – e com os mais pobres à mercê dos dejetos atirados pelos mais ricos -, diferentes classes sociais estavam representadas no velho Maracanã. Na nova arena, com assentos no modelo padrão Fifa, o diretor Pedro Asbeg vê paralelos com a cidade. “O que ocorreu no Maracanã é um reflexo daquilo que nós, cariocas, estamos vivendo há alguns anos: uma bolha imobiliária falsa e especulativa. O processo de exclusão, elitização e até de limpeza que aconteceu no estádio vem acontecendo na cidade. O Maracanã é apenas o microcosmo. Tem o mesmo endereço e o mesmo nome, mas é outro estádio”, disse.
Com preços populares e visão desfavorável, a geral colocava no mesmo plano craques consagrados e gente que reunia o dinheiro para entrar com pedidos do lado de fora. No espaço anárquico, sem divisão de torcida, os espectadores eram livres para atacar junto com seus times, xingar os técnicos incessantemente e até desprezar o jogo. “A geral era uma possibilidade”, resume o historiador Luiz Antônio Simas.

Idolos comemoravam com ‘geraldinos’

Galinho Zico confessa: balançava a rede e corria em direção à geral

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No documentário, Zico revela que tinha vontade de comemorar seus gols com o público da geral, Romário conta que começou a acompanhar futebol torcendo pelo América-RJ ao lado do pai no setor popular e Júlio César Uri Geller fala que jogadores reservas distribuíam alimentos para os fãs em troca de pedidos por suas entradas durante os jogos.
Os depoimentos dos geraldinos são ainda mais saborosos. Celebridades como Mister M (Vasco), Vovó Tricolor (Fluminense), Chapolim (Botafogo) e Índio da Geral (Flamengo) foram entrevistados. Assim como o torcedor que invadiu o campo do Maracanã em um Fla-Flu de 1982 para pedir clemência a Zico e se gaba de ter impedido uma histórica goleada rubro-negra.
“Fomos descobrindo a geral enquanto filmávamos. Pouco a pouco, as pessoas se sentiam mais à vontade, e percebemos que naquele setor existiam situações muito específicas, apesar das condições desfavoráveis para assistir uma partida”, contou Asbeg.
O documentário mostra o polêmico processo de concessão do estádio. Marcelo Frazão, diretor de marketing da concessionária, classifica a geral como um espaço “extremamente incômodo, inseguro e quase insalubre”, do qual “ninguém sente saudades”.
A visita das antigas celebridades da geral ao novo estádio, devidamente caracterizadas nas cores dos respectivos times, prova que o executivo está equivocado. “Foi um momento de tristeza, saudosismo e melancolia. Eles já não reconheceram aquele como o lugar em que viveram boa parte dos momentos positivos de suas vidas”, contou Asbeg.

Por: Jota Carvalho

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