Rebeca Andrade: Conheça a história da ‘Daianinha de Guarulhos’, medalhista olímpica com o Baile de Favela

 Rebeca Andrade conquista a medalha de prata em Tóquio Foto: LOIC VENANCE / STF

Rebeca Andrade nunca escondeu sua inspiração: Daiane dos Santos. A mulher negra que encantou o mundo com o ‘Brasileirinho”, nos anos 2000, foi o modelo que a menina de Guarulhos seguiu para vencer na ginástica. Hoje, ela levou o “Baile de Favela”, o ritmo da periferia de tantas garotas negras como ela, mais longe. É a primeira ginasta do Brasil a conquistar uma medalha olímpica.

Agora, Rebeca dá continuidade ao legado de Daiane. Seu sonho olímpico realizado é coletivo. Com a influência nas redes sociais – tem mais de 500 mil seguidores no Instagram – a jovem de 22 anos alcança o objetivo de ser ela também a inspirar outras crianças. A batida do funk tão presente nas favelas brasileiras faz parte da história dos Jogos Olímpicos, numa apresentação impecável no solo, aquele mesmo que viu o Duplo Twist Carpado em Atenas-2004.

Não à toa, desde que começou no esporte, no projeto social Iniciação Esportiva, da prefeitura de Guarulhos, em São Paulo, ganhou o apelido de “Daianinha de Guarulhos” e se tornou a grande aposta da modalidade. Com apenas quatro anos de idade, a menina começou a dar suas primeiras piruetas no ginásio, depois de a tia, funcionária pública, inscrevê-la para fazer testes. 

Não demorou muito para que a criança chamasse a atenção de quem entende. Mônica Barroso dos Anjos, técnica da equipe de ginástica de Guarulhos e árbitra internacional, viu a menina no projeto e começou a treiná-la. Em pouco tempo, Rebeca já estava no grupo de alto rendimento, competindo estadual, brasileiro e até mesmo torneios internacionais.

Mas, como a maioria dos atletas no Brasil, as dificuldades financeiras muitas vezes se impõem. Tudo deu certo pela grande rede de apoio em torno de Rebeca. Empregada doméstica e com sete filhos, a mãe Rosa Santos nem sempre tinha dinheiro para manter a filha no projeto. Quando faltava dinheiro, a menina ia a pé, um trajeto de mais de duas horas. Depois, o irmão mais velho, com 15 anos, comprou uma bicicleta para levar e buscar a irmã – passava o dia lá e seguiam para o colégio. Às vezes, conseguiam carona com algum motorista de ônibus no caminho.

Os técnicos também não a deixaram abandonar o esporte. Eles passaram a buscá-la em casa a fim de não perder nenhum treino. Sabiam a joia que tinham nas mãos.

Desde 2012, Rebeca passou a defender o Flamengo. Ali ela ganhou o Brasil, e, em seguida, o mundo. Aos 13 anos, foi campeã brasileira desbancando as favoritas. Aos 16, ganhava a primeira medalha numa Copa do Mundo de Ginástica, nas barras assimétricas. A notoriedade veio no salto, com três ouros em etapas de Copa do Mundo.

As cirurgias e a volta por cima

Quem vê Rebeca cravando as chegadas no solo e no salto, o aparelho que mais exige do joelho, não imagina a coragem necessária para repetir movimentos que já a levaram para uma mesa de cirurgia por três vezes. A última vez foi num treino de pódio no campeonato brasileiro, em meados de 2019. Dois saltos e meio, um mortal e mais uma pirueta. Foi o que fez o joelho direito torcer e romper o enxerto colocado em 2017. E que prejudicou a ginástica no Rio-2016, quando terminou apenas em 11º lugar no individual geral.

O retorno, quase um ano depois, é praticamente um novo aprendizado. Girar e saltar repetidas vezes sem medo de se machucar. A primeira vez que passou por isso, ainda adolescente, não foi fácil. Após a primeira cirurgia no joelho direito, em 2015, Rebeca Andrade, então com 15 anos, desabafou com a mãe: “Não quero mais treinar, quero voltar para a casa”. Rosa Santos não deixou. Acreditou que a filha teria a resiliência e o talento necessários para continuar num esporte que tanto castiga o corpo de atletas ainda meninas.

Da última vez, Rebeca já sabia todo o passo a passo da recuperação e apenas cumpriu o cronograma. Não se assustou por perder o Pan de Lima e o Mundial de Ginástica, ambos em 2019, e que dariam vaga nos Jogos Olímpicos. Voltaria em março, a quatro meses da Olimpíada de Tóquio, e teria ainda uma última chance. Mas veio a pandemia e tudo parou. Sozinha no Rio, e sem poder treinar nos aparelhos, tirou o tempo para recuperar as energias. Cuidou do joelho, da saúde e, sobretudo, da parte mental diante da incerteza de qual seria o futuro do evento.

Aproveitou os poucos prazeres que uma vida de atleta permite. Os longos dias solitários da quarentena foram preenchidos por música e pelo cachorrinho Pooh, que sua mãe lhe trouxe de São Paulo, para fazer companhia à atleta. Retomou as tentativas de aprender a tocar teclado.

Não podia acelerar o tempo. Com a pandemia, acabaram as competições. Só lhe restava treinar e esperar. Aguardou até a última chance. Em junho, o Pan de Ginástica no Rio era a derradeira competição que daria vaga às Olimpíadas. Não podia errar. Com confiança total, e sem grandes adversárias, levou o ouro e o lugar na delegação brasileira. Agora, era só brilhar em Tóquio. Foi o que ela fez

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