A “vergonha do lucro” na cultura brasileira

Perceba-se que, numa visão macroeconômica, o lucro é uma medida de eficiência. Entre empresas “iguais” (mesmo capital, recursos, pessoas), a que obtiver maior lucro será a que utilizou de maneira mais eficiente os recursos escassos.

Por diversos motivos, inclusive em decorrência de questões religiosas, o lucro gerado pelas empresas é visto como algo “negativo” por grande parte da população e também por boa parte dos nossos representantes políticos. Neste breve artigo, apresento um contraponto a esta visão considerando a percepção dos mais diferentes agentes.

Inicialmente, considerando a perspectiva do empreendedor e igualmente do investidor – aquele que financia a empresa –, a perspectiva de lucro é condição necessária e fundamental. Afinal, ninguém vai abrir uma empresa, dedicar seu precioso tempo e recursos para “perder dinheiro” e iniciar ou investir em uma empresa que irá gerar sucessivos prejuízos. Note-se que quanto maior o lucro, maiores serão os novos investimentos que irão gerar novos empregos e renda para a população.

Note-se ainda que o lucro é a remuneração daquele que tem o maior risco do negócio. Isso porque ele só é recebido pelo acionista depois que todos os outros interessados são pagos: funcionários (salários), fornecedores (custos e despesas), governo (tributos), credores (juros). O acionista, portanto, é o último da fila e pode estar fadado a perder todo o capital investido.

Na ótica do governo, o lucro é sinônimo de arrecadação. Afinal, cerca de 1/3 deste montante retorna para o Fisco na forma de tributos: imposto de renda sobre o lucro líquido (IRPJ) e contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL). Quanto maior o lucro, portanto, maior a arrecadação e, consequentemente, os recursos que o governo terá para investimentos, programas sociais, etc.

Perceba-se que, numa visão macroeconômica, o lucro é uma medida de eficiência. Entre empresas “iguais” (mesmo capital, recursos, pessoas), a que obtiver maior lucro será a que utilizou de maneira mais eficiente os recursos escassos. E para o bom funcionamento do Estado é fundamental premiarmos a meritocracia e a eficiência – que irão gerar uma melhor alocação dos recursos.

O consumidor, por sua vez, deve ficar bastante feliz quando a empresa, da qual ele obtém produtos e serviços, gera lucro. Afinal, se a padaria da esquina ou aquele restaurante que você adora – e que fazem a sua vida melhor – não apresentarem lucro, eles irão fechar e você sentirá falta.

De fato, o lucro é condição necessária para a sobrevivência da empresa. É essencial para a sua sustentabilidade e para que ela continue atingindo igualmente sua função social: gerar emprego e renda para a população.

Ressalte-se que não existe conflito entre essa visão social da empresa e o lucro. Ao contrário, acionistas e empresas que se preocupam igualmente com os outros stakeholders, algo que recentemente ficou conhecido como ESG – Environmental,

Social and Governance – garantem a sustentabilidade de longo prazo do negócio e, por consequência, lucros futuros maiores num circulo virtuoso.

Assim, independente das diferentes visões políticas, seja de Direita ou de Esquerda – que pregam maior ou menor interferência do Estado na econômica – é fato que empresas e empreendedores são fundamentais para o desenvolvimento de um país. Nesse sentido, já é hora de deixarmos de lado no Brasil essa cultura da “vergonha do lucro”. Afinal estamos deixando, literalmente, “lucro e dinheiro na mesa”; dinheiro esse que poderia melhorar a qualidade de todos os brasileiros, principalmente os mais necessitados.

*AUTOR: Fernando Dal-Ri Murcia – Administrador, contador e advogado. Professor da Universidade de São Paulo e Diretor de Pesquisas da FIPECAFI

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