*Carlos Bocuhy
Hoje é o Dia Mundial da Água. Neste ano o tema tratado pela Organização das Nações Unidas (ONU) é “Água e Empregos: Investir em Água é Investir em Empregos”. Nada mais acertado, se considerarmos todos os desdobramentos desta situação considerando-se a escassez e seus efeitos ambientais e sociais: a perda de sustentabilidade e consequentemente de emprego, de alimentos e da paz.
Este é o 24º ano do Dia Mundial da Água. Criado durante a Rio 92, há um quarto de século, quando 196 países declararam que a água é um recurso finito e que o abastecimento humano seria o maior desafio para as comunidades do futuro. Na primeira edição do Dia Mundial da Água em 1994, há 22 anos, pouca certeza científica havia sobre mudanças climáticas – e que estas implicariam em alterações irreversíveis dos ciclos hidrológicos, regimes de chuvas e aumento da desertificação – e que a falta de água ocorreria em regiões populosas, destruindo perspectivas de plena empregabilidade.
Hoje isso já virou slogan para os norte-americanos, especialmente da Califórnia, “no water, no jobs”. A escassez de água atinge duramente a população com o aumento do custo dos alimentos. O IBGE, avaliando em 2014 os últimos 10 anos, apontou que fenômenos climáticos como a seca e a chuva em excesso prejudicam as lavouras: a inflação foi de 69,34%, enquanto a alta dos alimentos atingiu 99,73%.
A realidade planetária sobre desabastecimento é dura: a população conhecida como “bilhão de baixo” (na verdade quase dois bilhões) não tem acesso diário à água potável. As projeções atuais com as alterações climáticas apontam para a piora deste quadro no Brasil: segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) o Nordeste e Centro-oeste serão duramente castigados pelos efeitos do aquecimento, enquanto o Sudeste, que abriga as maiores populações, terá seu regime de chuvas alterado, com precipitações intensas seguidas de veranicos – o que dificulta a capacidade de abastecimento.
Essa perspectiva diminui a apartamentos para alugar em santos oferta onde há mais procura: nas áreas metropolitanas e macrometropolitanas, o que leva à perda de produção e afeta a geração de empregos. As atividades econômicas tendem a migrar e não se estabelecem onde há escassez. A crise da água em São Paulo demonstrou claramente esse fenômeno.
Nos últimos 24 anos, entre as primeiras edições do Dia Mundial da Água e os dias de hoje, a falta de água vem se plasmando na realidade, propulsionada por visões empresarial e imobiliária dentro de uma dinâmica civilizatória de ocupação territorial predatória. Justificada como preocupação com emprego, renda e aumento do PIB, a economia do bussines as usual e sua dinâmica de crescimento acentuam a destruição dos ecossistemas de produção e impermeabilizando o solo, afetando a capacidade regular de armazenagem dos reservatórios.
. A área governamental, que entrega habitualmente o planejamento à dinâmica da economia, apresenta ineficácia no combate à poluição das águas, com falta de priorização de investimentos e mecanismos de planejamento, fiscalização e controle. A constatação da escassez e as projeções de cenário futuro devem levar a uma mudança do comportamento da sociedade e provocar políticas públicas eficientes que realmente compatibilizem empregabilidade e proteção ambiental.
O Brasil precisa encarar de frente o desafio de proteção da qualidade de vida, incentivando efetivamente a participação social na gestão da água, priorizando a defesa dos interesses pró-sociedade, provendo fundos adequados para saneamento e proteção dos ecossistemas naturais. Além disso, é preciso estabelecer um sistema eficiente para a gestão da água, que vai do cuidado com os reservatórios ao controle da qualidade da água, sua distribuição para o abastecimento e uso racional.
É preciso garantir que insumos essenciais à geração de empregos, como a água, possam assegurar a qualidade de vida de nossa sociedade. Chegaremos ao tempo de “Água e Emprego”? Sim, se compatibilizarmos os caminhos da economia com os caminhos da água, recuperando as áreas vitais, respeitando os limites naturais e fortalecendo, com políticas públicas, as condições para a sustentabilidade.
Carlos Bocuhy, Presidente do Proam.