Jorge Pontes
O Ministro da Justiça Alexandre de Moraes foi filmado anteontem, no último domingo, aparentemente em ato político na cidade de Ribeirão Preto, dizendo aos repórteres e aos populares que o seguiam, que poderiam esperar para essa semana mais uma fase da Operação Lava Jato. Suas palavras não deixaram dúvidas pois ele foi absolutamente categórico na afirmação.
Passadas menos de 24 horas, o Brasil acordou com a Policia Federal deflagrando mais uma fase da redentora operação, desta feita com a prisão do ex-Ministro da Fazenda Antônio Pallocci, que tem como reduto político, coincidentemente, a mesma Ribeirão Preto na qual o ministro se aboletou em cantar a pedra da ação repressiva de sua subordinada Polícia Federal.
Ultimamente estamos repetindo, quase como um mantra, que a Polícia Federal precisa ganhar de uma vez por todas a sua autonomia, mormente para não ficar nas mãos do MJ da vez, e de suas circunstâncias políticas.
O trabalho da polícia judiciária é eminentemente técnico e não admite quaisquer reparos ou interferências de cunho político. Nós trabalhamos na inarredável busca pela “verdade real” dos fatos investigados, matéria prima e objeto do Direito Penal, tema central de nossa atividade fim. E para a preservação dessa “verdade real” só interessa conhecer sobre a operação aquele que nela labuta, a saber: juízes, procuradores da república, peritos, agentes, escrivães e delegados federais.
Desde que começou a era das mega-operações da PF, nos idos de 2004, iniciou-se uma discreta pressão política sobre diretores e superintendentes da PF para que estes informem “com certa antecedência” as nossas operações. Alguém naquela época inventou que “não avisar nada”, da parte da PF e do MJ, seria uma “grosseria” com os colegas de governo. Essa prática deletéria nasceu, desta feita, com o manto de um gesto de “boa vizinhança”. Algo bem ao estilo do lulopetismo. Mas o interesse era bem outro.
Isso funcionaria muito bem na Dinamarca ou na Finlândia, onde não há crime no estamento político-governamental. No Brasil, quase cem por cento das grandes fraudes e desvios investigados pela PF conta com “bênçãos” governamentais, com apoios daqueles que têm o poder direto de indicar e nomear os nossos chefes. Vivemos até o impeachment de Dilma Rousseff numa verdadeira cleptocracia. Eu arriscaria a dizer que, hoje em dia, é menos prejudicial vazar uma operação num boteco do bas-fond do que numa ante sala ministerial em Brasília. Não enfrentamos criminosos marginais mas sim malfeitores nucleares.
Desta feita, em tese, nem o Diretor-Geral precisa ser informado sobre qualquer detalhe, principalmente sobre os alvos. Quando muito o superintendente regional (e a sua linha hierárquica que se ocupa da logística) deverá saber da operação para que os recursos humanos e materiais sejam alocados a contento.
Se o chefe da PF não precisa saber, quanto mais um MJ, que ocupa cargo político.
Essa estória de que Brasilia precisa ser informada para poder “se explicar para a mídia” definitivamente não convence. Quem tem que explicar prisão, a princípio, é quem foi preso. Não havendo abuso nenhum da nossa parte, a accountability ficaria com o nível técnico.
Aliás, o desconhecimento do Diretor-Geral sobre alvos e minúcias da operação apenas o protegeria. Além de ficar de fora do rol de suspeitos de vazamentos, não seria alvo de pressões de seu chefe, o próprio MJ, para os tais “vazamentos hierárquicos”.
Para que pedir ao MJ que não saia de Brasília? Que diferença faria para a operação ou para a necessária accountability que já vem sendo tão bem prestada por Curitiba?
A prisão do marqueteiro João Santana teria igualmente vazado. João Santana tinha um voo marcado do Panamá para o Brasil. A deflagração da Operação Acarajé foi agendada para a manhã em que ele desembarcaria no Tom Jobim. João Santana não embarcou e frustrou o planejamento original. Só desembarcou no dia seguinte sem trazer seu lap top e seu celular.
Aparentemente estariam ocorrendo os tais “vazamentos hierárquicos”.
Seja qual for a motivação do vazamento, seja para frustar a ação da polícia contra comparsas – caso de João Santana e de diversos vazamentos da era petista – seja para fanfarronices de cunho eleitoreiro, de qualquer maneira restará vulnerabilizada a ação policial, assim como restará a sociedade brasileira extremamente desconfiada.
O que é gravíssimo nessa situação não é apenas a possibilidade de um MJ petista vazar para seus comparsas para detonar a operação, enquanto um outro MJ psdbista vaza para jornalistas, para posar de “Pai da Lava Jato”, por pretensões eleitoreiras.
O que temos que perceber é que o modelo atual PERMITE, ACEITA, ADMITE, o absurdo de um Ministro da Justiça – ocupante de cargo político – ficar sabendo com antecedência de operações policiais, VULNERABILIZANDO sua possibilidade de sucesso.
Essa é a moral da estória. Há um “furo” enorme e permanente, que transcende governos, permitindo “vazamentos hierárquicos”. Vamos descobrir o nome e o sobrenome desse “furo” e colocar um fim nessa situação.
Me arrisco a dizer que esse “furo”, filosoficamente falando, é a ausência de autonomia da instituição Polícia Federal. Ausência de blindagem, de um mandato, para o nosso Diretor Geral.
Nunca tivemos um caso tão exemplificante de tal carência normativa.Ninguém sabe e nem saberá quem vazou. Talvez o Ministro Alexandre de Moraes seja cartomante ou tenha uma bola de cristal. Tudo é possível.Mas não podemos deixar de registrar que há um erro nodal, acadêmico do ponto de vista policial: a simples conjugação do verbo “avisar” no planejamento operacional de uma ação repressiva da polícia judiciária. Quem avisa, amigo é, e, na atividade policial não se avisa, em hipótese alguma, sobre qualquer ação repressiva a ser deflagrada contra quem quer que seja. A não ser que o nosso chefe não tenha como não dizer “não” ao ministro, que é o chefe dele.
E quem no serviço público pode sobreviver dizendo “não” aos seus superiores? Mesmo que o “não” seja a resposta certa a ser dada.Por isso precisamos dar ao chefe da PF, seja lá ele quem for, uma blindagem a prova de “nãos”.
*Jorge Pontes é delegado de Polícia Federal e foi diretor da Interpol do Brasil