Silêncio obsequioso

*João Baptista Herkenhoff

Para o escritor, o poeta, o filósofo, o teólogo, para todos aqueles cujo trabalho é pensar, o direito de exprimir o pensamento é uma consequência do ato de pensar.
Da mesma forma que o passarinho gorjeia, o peixe nada, o macaco pula de um galho a outro, o pensador pensa. Suprimir do pensador o direito de pensar é tão violento quanto suprimir do passarinho o gorjeio, do peixe a travessia através das águas, do macaco os saltos na floresta.
Por este motivo não existe, em relação a um pensador, filósofo ou teólogo a imposição de uma recomendação ou pena de silêncio que possa ser adjetivado como sendo obsequioso. Silenciar o pensamento jamais será um obséquio, uma gentileza. Mais fidedigno será, a meu ver, punir o pensador, filósofo ou teólogo dissidente com a penalidade do silêncio puro e simples.
Os inquisidores do passado não usaram meias palavras para a condenação. Utilizaram o vocábulo cru para designar o discordante: herege, blasfemo, profanador, apóstata.
A Filosofia, a Teologia, a Ciência não avançam através da concordância, mas sim pelos caminhos da contestação, do debate.
Sublime dom humano este de pensar, refletir, buscar a verdade, ainda que algumas vezes o titular deste dom se transvie, erre e siga rotas enganosas.
Aristóteles enunciou a lei da não-contradição, nestes termos: “Não se pode dizer de algo que é e que não é, no mesmo sentido e ao mesmo tempo.”
Não obstante a advertência aristotélica, é raro que uma doutrina, em qualquer campo, contenha a totalidade do justo, do bom, do verdadeiro. Mais comum é a presença parcial do certo. Frequentes vezes no bojo do erro está a semente da verdade. Em muitos episódios da História, o acerto foi precedido de equívocos.
Não apenas na Filosofia, na Ética e na Teologia temos de conviver com desacordos, dissidências, dissentimentos. Também no campo das ciências os sábios interpretam de forma conflitante os fenômenos observados.
Deus, ao criar o homem, atribuiu-lhe inteligência. Portador da capacidade intelectiva, os homens erraram e acertaram. Não foi projeto divino o ser humano previamente construído para acertar sempre. Quis o Criador a criatura livre, tão livre que pudesse até mesmo negar e contestar o Ser que o criara.
Escrevo este texto valendo-me da capacidade de pensar. O que está exposto aqui pode conter um pouco da verdade, ou nenhuma verdade. Verdade integral não pode estar presente nestas linhas. Afirmar o contrário, pretender que nenhum reparo deva ser feito ao que estou escrevendo, seria uma incoerência à face do raciocínio seguido por esta reflexão.

*João Baptista Herkenhoff é juiz de Direito aposentado (ES), professor e escritor. E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com

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