Argumentos de juiz para soltar PMs flagrados em execução são contraditórios

 

Para o juiz Alexandre Abrahão, do 3º Tribunal do Júri, que revogou as prisões dos policiais militares do 41º BPM (Irajá) flagrados, em vídeo, executando dois traficantes, no último da 31, em Acari, na Zona Norte do Rio, os dois PMs não prejudicaram as investigações nem a instrução do processo. O magistrado sustenta que os agentes prestaram depoimentos de forma espontânea e que, após o crime, mantiveram o local íntegro para a perícia. Entretanto, pelo menos uma testemunha, laudos periciais e depoimentos se chocam com o que alega o juiz.

Num documento que faz parte do inquérito da Delegacia de Homicídios (DH), uma parente de Julio Cesar Ferreira de Jesus, um dos dois traficantes executados, acusa os PMs de tentarem fraudar a cena do crime. Em seu relato, a mulher afirma que “os PMs tentaram retirar o corpo do local, mas foram impedidos pelos moradores”.

Em dois relatos que também fazem parte do processo, o sargento David Centeno dá versões diferentes sobre o caso. Na primeira, ele omitiu ter atirado no homem já caído e se limitou a dizer que viu “dois homens caídos ao solo”. Num segundo relato, após ver o vídeo, Centeno muda a versão, admite que fez o disparo contra o suspeito, “acreditando que pudesse haver risco pessoal”.

A DH também apura a veracidade do depoimento do cabo Fábio Dias, que só mencionou ter dado um disparo, o da execução. No entanto, outro projétil de seu fuzil foi encontrado no corpo de Maria Eduarda.

Cabo Dias só mencionou disparo Foto: Reprodução

Abrahão escreveu que “os denunciados, enquanto sujeitos de direito submetidos a uma relação processual, até aqui não criaram qualquer embaraço a instrução da investigação e ao processo. Chamados na Delegacia de Homicídios (DH), lá compareceram espontaneamente para dar suas respectivas versões sobre o ocorrido (…), colaboração esta que pode até ser empregada contra eles durante a relação processual aqui iniciada. Além disso, mantiveram o local dos fatos íntegros para análise dos peritos, não ocorrendo sucesso maior por obra dos populares. Resta a gravidade do crime. Não é ela o combustível correto para levar ao cárcere meros investigados”.

Centeno e Dias se envolveram em 37 autos de resistência — mortes de suspeitos durante operações policiais — desde 2011. Os dois, juntos, participaram de uma dessas ocorrências. Já as demais mortes ocorreram em ações com outros colegas de farda — Centeno é envolvido em outros 10 autos de resistência e Dias, em 26 ocorrências. Os dois ainda são investigados no inquérito da DH que apura a morte da menina Maria Eduarda Alves da Conceição, de 13 anos.

O magistrado recebeu a denúncia e converteu as prisões em medidas cautelares: o cabo Dias e o sargento David Centeio terão que ser transferidos do batalhão e não poderão participar de operações. Eles só poderão realizar funções administrativas.

Na decisão, Abrahão escreveu que ponderou sobre a “voz das ruas”: “Meditei muito sobre cada detalhe deste procedimento. Olhei, por horas, todo o acervo a ele atrelado. Ponderei especialmente sobre a voz das ruas”.

O juiz também afirmou que sabe que será alvo de “apedrejamento público”. “O julgamento destes fatos me dá a convicção de que a decisão, seja ela qual for, será alvo de apedrejamento público. Especialistas, mesmo sem conhecer o processo, farão julgamento, criarão teses conspiratórias, insinuações, etc. Este processo revela delicada polarização”, alega o magistrado no despacho.

 

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