Manicômio tributário e estagnação econômica

*Augusto Nardes

O filósofo Sêneca disse, certa vez, que “as ideias belas e verdadeiras pertencem a todos”. Assim ocorre com o legado de Roberto Campos. Conheci-o na Câmara, deputado federal pelo RJ, eu no primeiro mandato pelo RS, depois de ter sido vereador e deputado estadual. Era um homem com grande bagagem política e longa trajetória na vida pública. Senador, ministro de Estado do Planejamento, embaixador do Brasil em Washington e Londres, de muitas lutas, amado por uns, criticado por outros. Eu, apesar de militar na política havia mais de vinte anos, e de haver cursado pós-graduação e mestrado no Instituto de Altos Estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, sentia-me um jovem idealista. Trazia o sonho de realizar grandes projetos.
Rapidamente fui ficando entusiasmado pelos discursos do economista brilhante que havia criado o Banco Central do Brasil, o BNDES, além de ter participado da Conferência de Bretton Woods, responsável pela criação do Banco Mundial e do FMI. Muito antes de existir uma Lei de Responsabilidade Fiscal, foi um firme defensor da estabilidade fiscal para controle da inflação. Era um dos poucos parlamentares que defendia a economia de mercado. Criticava a administração pública, a política monetária e a sua própria criação, o Banco Central. Nos artigos que fazia publicar nos jornais e nos discursos que pronunciava, pregava uma reforma tributária, quase uma revolução, capitaneando a inovadora ideia, em matéria fiscal, do imposto único. Defendia a ideia com tanto ardor que foi apelidado “guerrilheiro do imposto único”. Apesar de desvirtuada com a criação do IPMF, depois CPMF, a ideia de redução da carga como meio para que o país saísse do que denominou “manicômio fiscal” deixou frutos em alguns dos que o ouviam.
Pregava contra as ideias da corrente de esquerda, que já ganhavam corpo no parlamento e no país e que viriam a ser implantadas com a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, com suas hoje conhecidas e malsucedidas ideias socialistas. Era o “mito da esquerda”, com sua sedução pela revolução “excitante e poética”, como definiu em célebre resposta a questionamentos do presidente dos EUA, John Kennedy, quando embaixador do Brasil em Washington. Minha identificação com esse discurso foi imediata.
De família de empreendedores, de uma região do país, as Missões, no Rio Grande do Sul, povoada por gente acostumada a conquistar tudo com muita luta, acreditei sempre na força da iniciativa privada para empreender. Em sintonia com as ideias de Roberto Campos, pensava que o país precisava se livrar da âncora que o tragava para as profundezas da estagnação econômica. Por isso adotei a iniciativa de criação do Simples. Não cabe aqui detalhar os obstáculos que tivemos de transpor para implantar a ideia, partindo de uma audiência com o então ministro da Fazenda Pedro Malan, passando pela criação de uma frente parlamentar no Congresso Nacional, até chegar às inúmeras reuniões que tivemos no grupo de trabalho formado por seis ministros de Estado da época, que culminou na edição da MP 1.526/1996, que se converteu na Lei do Simples, Lei 9.317/1996.
Contribuímos para emprestar concretude ao pensamento de Roberto Campos, com redução da carga tributária, do número de tributos, de doze para um único, redução da excessiva oneração que recaía sobre as micros e pequenas empresas, o que permitiu sua viabilidade econômica, aumento dos postos de trabalho e do emprego formal, entre outras conquistas.
Esse é o legado de Roberto Campos. Partiu em 2001, mas incutiu em toda uma geração a necessidade de reformas e inciativas. Em recente artigo publicado no Valor, André Lara Resende afirmou que a carga tributária está perto de 40% do PIB, “alta até mesmo para países avançados”, e que “ameaça estrangular a economia e inviabilizar a retomada do crescimento”. Em um cenário como esse, ouvir e aplicar suas lições torna-se ainda mais necessário.
Afinal, qual é o Brasil que queremos, um Brasil com empreendedores ou um Brasil que não avança? Se não reduzirmos a carga tributária, nos livrarmos dessa nefasta âncora, nos afastarmos desse verdadeiro manicômio tributário, incentivarmos a economia, como escapar da estagnação econômica? Sem trabalho não existe dignidade. Pior que o desemprego só a guerra. Para ter paz, temos de ter emprego. Para ter emprego, temos de ter empreendedor. Esse é o Brasil que queremos. O Brasil de Roberto Campos.
Neste momento em que estamos comemorando seu centenário, tenho certeza de que, admiradores ou não, todos hão de admitir que seu legado gerou frutos, criou raízes. Suas lições estarão sempre entre nós, brasileiros deste século, e aqueles que nos sucederão, nos livros, nas universidades, no debate que se trava continuamente em torno da necessidade de uma urgente reforma tributária.

*Augusto Nardes é ministro do Tribunal de Contas da União. Artigo incluído no livro recém-publicado: “Lanterna na Proa – Roberto Campos Ano 100”.

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