Projeto de Reforma Trabalhista no Meio Rural

*Eliana dos Santos Alves Nogueira

As palavras de ordem do momento atual tem sido “reforma” e “modernização”, sobretudo quando se fala em direito do trabalho.
Entre os projetos de reformas trabalhistas, temos o Projeto de Lei 6442/2016, que visa a reforma das leis trabalhistas no campo.
Uma das justificativas de referido Projeto está assim descrita: “no intuito de prestigiar esse ta?o importante setor da economia brasileiro fomentando sua modernizac?a?o e desenvolvimento; o aumento dos lucros e reduc?a?o de custos e; gerar novos postos de trabalho, e? que se propo?e a alterac?a?o da Lei n.o 5.889/73.”
Fica evidente o objetivo da reforma: aumentar os lucros e reduzir os custos. Gerar novos postos de trabalho é algo impossível de ser alcançado por qualquer reforma trabalhista. Isto porque não é o direito do trabalho que cria postos de trabalho. Sua finalidade é regular as relações trabalhistas e, acima de tudo, tutelar o empregado, que vende sua força de trabalho em troca de remuneração para sobrevivência própria e de sua família. Postos de trabalho são criados por reformas politicas e econômicas. Não pela legislação trabalhista.
Ainda que o legislador quisesse, ingenuamente, atuar em prol da criação de postos de trabalho, deixa claro que esta não é sua intenção ao regular a jornada de trabalho no campo (artigos 12 e seguintes do Projeto de Lei). As medidas propostas possibilitam ao empregador exigir do empregado jornadas intermitentes de acordo com as necessidades do meio rural. Isso significa dizer, em ultima analise, que o trabalhador permanecerá à disposição do empregador e poderá ser chamado ao trabalho conforme as necessidades deste, institucionalizando a mais ampla flexibilização da jornada já vista.
E por falar em empregado que vende sua força de trabalho em troca de salário (o que ocorre com todos os trabalhadores desde a abolição da escravatura), o projeto, de modo totalmente diabólico, insano e criminoso, pretende substituir o pagamento de salário por qualquer outra forma de pagamento. Neste sentido, eis o artigo 3o do Projeto:
Art. 3o Empregado rural e? toda pessoa fi?sica que, em propriedade rural ou pre?dio ru?stico, presta servic?os de natureza na?o eventual a empregador rural ou agroindustrial, sob a depende?ncia e subordinac?a?o deste e mediante sala?rio ou remunerac?a?o de qualquer espe?cie. (3) (grifo nosso)
A leitura deixa uma certeza muito simples: com o objetivo de aumentar os lucros e reduzir os custos dos empregadores na área rural, o projeto pretende possibilitar que o trabalhador não receba salários (entendido o pagamento em dinheiro), em troca do serviço prestado.
A proposta é tão absurda que fica difícil até mesmo ter que justificar os motivos pelos quais ela jamais poderia ser defendida. O mais óbvio é que ela nos leva de volta ao tempo da escravidão. Não era assim que os escravos eram tratados? Ainda hoje, esta é a principal característica da redução do trabalhador moderno à condição de escravo: utilizar sua força de trabalho sem pagamento de salário. O pagamento que se recebe em troca do trabalho prestado, em moeda corrente, é a primeira exigência para garantia dos Direitos Fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, especialmente o direito à vida digna e decente, com possibilidade de acesso à educação, ao lazer, ao transporte e todos os demais que podem garantir o direito à plena cidadania.
Outra razão óbvia é que o capitalismo se organiza em torno do capital e da circulação de bens e serviços. Se o trabalhador não recebe salário, como se transformará em consumidor?
Reduzir direitos trabalhistas com a consequente redução dos ganhos do trabalhador impacta diretamente o poder de consumo, que, por sua vez, impacta principalmente os pequenos e médios produtores que vivem do mercado interno. Este setor da economia, sobretudo, deveria estar seriamente preocupado com tais propostas de reformas (seja em âmbito urbano, seja em âmbito rural).
Causa ainda mais espécie se trouxermos para o debate a recente sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Fazenda Brasil Verde x Brasil (4), de 20 outubro de 2016, que condenou o Brasil por reconhecer que o trabalho escravo rural é estrutural em território brasileiro. Uma vergonha nacional. E, a depender do legislador brasileiro, o que já é ruim poderá piorar. E muito.

*Eliana dos Santos Alves Nogueira é Professora de Direito Processual do Trabalho na Faculdade de Ciencias Humanas e Sociais – FCHS, UNESP/Franca/SP. Bacharel e Mestre em Direito pela UNESP – Franca/SP. Juiza do Trabalho no TRT15 – Campinas/SP. Doutoranda em Direito do Trabalho pela Facoltà La Sapienza em Roma/Italia.

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