Desculpas, relação professor-aluno e futebol

*Nelson Pedro-Silva

Em outros tempos, não tão distantes assim, era prática habitual pedir desculpas quando se cometia algum ato que provocava descontentamento. Contudo, cada vez menos, tenho notado o emprego desse termo ou ele não tem tido o poder de desfazer equívocos e/ou de reconhecer que determinada ação foi desastrosa.
A esse respeito, apliquei um teste a 15 estudantes do curso de Psicologia de uma universidade pública. O objetivo dessa verificação era que, ao final de sua aplicação, eu pedisse desculpas a eles. O resultado foi que, em algumas situações, os alunos não conseguiram responder a determinadas indagações e e, em outras, nenhum deles disse que eu estava desculpado. No limite, alguns se pronunciaram com um “tudo bem”.
Não sei se essa expressão tem ocupado o lugar de “está desculpado” ou “desculpas aceitas”. Imaginei os dois cenários. No primeiro, admiti que a citada expressão estivesse ocupando o mesmo lugar e tendo o mesmo peso de um “estar desculpado”. Nesse caso, fiquei me indagando: qual a finalidade de se mudar a referida expressão por “tudo bem”? O segundo – a meu ver mais preocupante –, diz respeito à perda do poder dessa expressão para colocar nos trilhos determinada tentativa de estabelecimento de diálogo ou de reatar uma relação que fora abalada.
Lembro-lhes: o termo “desculpa” decorre de perdão e significa livrar de uma culpa, uma ofensa, uma dívida […] é um processo mental que visa à eliminação de qualquer ressentimento, raiva, rancor ou outro sentimento negativo sobre determinada pessoa ou sobre si próprio. Nesse sentido, o pedido de desculpas é empregado quando reconhecemos ter cometido um erro, não poder dar-lhe o que estão a lhe pedir ou ser injusto. Religiosamente, essa expressão é invocada como forma de eliminar sentimentos perniciosos ao homem (raiva, mágoa e desejo de vingança).
Posto isso, questiono: por que o pedido de desculpas perdeu sua força como instrumento de recomposição da harmonia social e pessoal, prática tão comum em países como o Japão e a Coréia do Sul, só para ficar em dois exemplos?
Desgraçadamente, acredito que a dificuldade das pessoas de pedir desculpas está relacionada à perda ou à incapacidade de aceitar tal pedido. Igualmente, sem desconsiderar a anterior, julgo que essa dificuldade é decorrente do fato de um grupo de pessoas não acreditar mais (ou nunca ter considerado) que um pedido dessa natureza é suficiente. A ideia de vingança e de judicialização parecem prevalecer nesses casos.
Assim, mesmo com reiterados pedidos de desculpa, uma tolice cometida transforma-se automaticamente em justificativa para se odiar e/ou aniquilar determina pessoa, sobretudo nesses tempos em que a sociedade está voltando a funcionar como um conjunto de guetos, regido por regras próprias e pautado por discursos politicamente corretos (nem sempre acompanhados de ações igualmente conforme essa máxima do agir de maneira reta).
Para aplacar os ânimos, por conseguinte, a única saída é a de submeter o pedinte de desculpas a processos judiciais, com a finalidade última de assim ter a sua vingança concretizada.
Caros leitores e leitoras, como dormir com uma lógica de funcionamento dessas?
A esse propósito, recentemente, um juíz de futebol reconheceu o seu erro, ao expulsar um jogador, e, por conta disso, pediu desculpas publicamente. Algumas pessoas ficaram sensibilizadas com a sua atitude. Outras deram a impressão que o seu pedido foi de pouca serventia, a ponto de ele só não ter sido linchado porque o time de futebol prejudicado acabou por sair vitorioso do derby, mesmo com um jogador a menos na maior parte da partida. Agora, o mais curioso é que o referido juiz recebeu uma penalidade extremamente pesada pelos órgãos de administração do futebol. Será que os dirigentes levaram em consideração o seu pedido de desculpas, por ocasião da aplicação da penalidade?
Por fim, não estou a defender ou a julgar suficiente um pedido de desculpa por uma autoridade pública ou uma personalidade do show business. Penso que é necessário. Porém, eles devem sofrer as punições previstas na Constituição e nos costumes. Afinal, um pedido de desculpas praticamente perde a sua importância, se não for acompanhado pela mudança do comportamento, como o de apropriar-se do dinheiro público, ser conivente com a corrupção e com a concentração de renda ou se apresentar visivelmente alcoolizado e drogado num show musical, a ponto de não conseguir realizá-lo. Antecipadamente, peço desculpas àqueles que não concordarem com a minha opinião.

*Nelson Pedro-Silva é professor-doutor de Psicologia da UNESP – nelsonp1@terra.com.br

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