Rio enterra Arthurzinho sem choro nem vela

*Jorge Oliveira

Enquanto Cabral confirmava em juízo que gastava milhões de reais roubados com políticos para se manter no poder, o Arthurzinho, assassinado no útero da mãe em um tiroteio entre polícia e bandido na Baixada Fluminense, descia à sepultura. Ele não resistiu depois de um mês de tratamento. Anestesiados pela violência, os cariocas não se indignaram. Não tiveram tempo para isso, porque aqui, na Cidade Maravilhosa, a solidariedade, tão característica desse povo, deu lugar ao salve-se quem puder nesse mundo cão criado e consolidado por governantes corruptos e despreparados ao longo dos últimos 40 anos.
A morte de Arthurzinho, que veio ao mundo já baleado, é um símbolo da violência que se alastra pelos bairros e ruas do Rio como uma epidemia pestilenta. Os médicos de um hospital público tentaram de tudo para salvar o recém-nascido, cujos pais não tiveram o mínimo apoio dos governantes. No leito, os vizinhos da mãe torciam por Arthurzinho, condenado a sequelas irreparáveis se sobrevivesse ao mundo cruel da guerra e da truculência que esta cidade vive, uma das mais sangrentas da sua história.
A mãe do Arthurzinho conseguiu escapar com vida. Agora é testemunha do descalabro e da incompetência do Pezão, governador dessa terra sem lei. Ela vai lembrar para sempre que, enquanto permaneceu vigilante ao lado do leito do filho, na esperança de vê-lo recuperado, Pezão anunciava numa coletiva de imprensa que iria se licenciar do governo. Coitado do governador! Dizia estar obeso e, portanto, iria se internar em um Spa no interior do Rio que cobrava R$ 7.000,00 a diária.
Pezão é aliado de Cabral, de quem foi vice-governador. Também está na lama da Lava Jato, acusado de receber dinheiro da corrupção. Pelo que apurei é um sujeito do interior, com jeitão de humilde, uma espécie de bonachão, como dizem seus amigos mais íntimos. É chegado a um churrasco de fim de semana em casa preparado por ele mesmo. Dele, por essas características, esperava-se mais solidariedade à família de Arthurzinho e a todas as outras vítimas do genocídio carioca. Mas nada desse senhor se ouviu falar até hoje sobre a tragédia.
Ele não sabe sequer o que se passa no seu Estado. Demonstrou isso quando foi a Brasília e desconhecia que o Exército preparava uma operação para ocupar o seu território invadido pelos bandidos. Ficou meio tonto e abobalhado, quando, sem jeito, soube da notícia pelos próprios jornalistas. E os tanques chegaram, circulam pelas ruas mais movimentadas da cidade, mas ninguém quer subir o morro, onde estão os traficantes que trabalham no crime em parceria com uma banda podre da própria polícia.
Não é a primeira vez que as forças armadas ocupam o Rio. Durante a permanência da tropa, os traficantes se recolhem em respeito aos seus soldados sem treinamento para esse tipo de operação urbana. Ponto para os bandidos. Mas depois, tudo volta ao que era antes: a guerra sem fim na disputa pelos melhores pontos do tráfico, os assaltos aos pedestres nas ruas, os roubos de carros e os assaltos aos turistas em plena luz do dia. Pode-se dizer disso que o Rio volta a sua normalidade.
É aí que entra mais uma vez o Arthurzinho, vítima da insensibilidade desse e de outros governos incompetentes e corruptos, que usam o dinheiro público em benefício de si próprio e de suas famílias. Que não investem na educação, na saúde e em programas sociais, que desestimulam os trabalhos comunitários e que não investigam a fundo os crimes cometidos pela banda podre da sua polícia, responsável pela criação das “mineiras”, uma força paralela de segurança, na periferia da cidade.
O enterro do Arturzinho foi ontem. Um sepultamento simples, sem flores, nem vela. Ele não desceu à sepultura ao som de nenhuma música. Nem foi acompanhado por nenhuma multidão da comunidade como acontece com os benfeitores traficantes mortos em tiroteios com a polícia. Lá estavam os pais dele e uns poucos vizinhos do bairro doloridos com o assassinato tão prematuro do menino.
Lá, não se viu um só representante do governo. Para quê? Afinal de contas, quis o destino que Arturzinho fosse baleado antes de nascer na favela do Lixão, em Duque de Caxias, onde ocorreu o tiroteio que lhe tirou a vida ainda dentro do útero da mãe.
Assim, o hospital divulgou a morte oficial de Arthurzinho: “O paciente Arthur Cosme de Melo foi a óbito às 14h05 deste domingo (30), após apresentar piora de seu quadro clínico em decorrência de uma hemorragia digestiva intensa, por volta das 5h30”. Parecia gente grande. Mas não era.
Suba aos céus Arthurzinho até encontrar com Deus. E lá reze com Ele pela cidade do Rio de Janeiro para que esse povo sofrido não tenha que enterrar outros Arthurzinhos.

 

*Jorge Oliveira é jornalista e cineasta.

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