O preço do errado na Saúde

*Francisco Balestrin

Vivemos em tempos que, cada vez mais, valorizam o espetacular e o sinistro. Nos últimos meses, a situação da segurança pública no Rio de Janeiro deteriorou-se tremendamente. As alegres noites cariocas, antes recheadas de samba e conversas de amigos, têm sido vazias e carregadas de medo. Morreu uma criança baleada na barriga da mãe, antes mesmo de nascer. Esta semana, os cidadãos cariocas encontram o exército nas ruas, com seus fuzis e tanques, patrulhando os bairros. Espetacular e sinistro.
A situação atual do Rio de Janeiro é ilustrativa do que acontece com a política pública brasileira em geral – e na saúde em particular. Como resposta a demandas legítimas da população, o governo investe em políticas públicas de alta visibilidade, mas baixo impacto estrutural. É a política pública feita para o governante, e não para o governado.
O Brasil precisa parar de tratar inauguração de hospital ou anúncio de projetos miraculosos como a única política pública de saúde e começar a reconhecer que a saúde é uma responsabilidade transversal de todas as partes do governo e da sociedade. Nunca haverá leitos suficientes para atender à população em uma zona de guerra.
E não é só o atendimento médico-hospitalar que é saúde. Em muitos casos, o fato de o paciente ser atendido em um hospital indica, antes, um fracasso da política de atenção. O ideal não é ter leitos suficientes para atender a todos os pacientes com dengue – o ideal é ter ações de prevenção para que as pessoas não contraiam a dengue em primeiro lugar. Da mesma maneira que a dengue, a maioria das doenças dos brasileiros poderiam ser prevenidas ou controladas de forma extra-hospitalar.
Mas as ações para a saúde precisam ir além do escopo de atuação estrito do Ministério da Saúde. Nas escolas, precisamos ensinar os princípios básicos de como manter uma vida saudável – da alimentação à higiene, aos riscos das drogas, à saúde sexual. No trânsito, que mata quase 40 mil pessoas por ano, precisamos de educação, mas também de manutenção adequada de vias públicas, sinalização e fiscalização de infrações.
Nem só de fora, porém, vêm os riscos à saúde dos cidadãos. Mais de 12 mil brasileiros tiram a própria vida todos os anos. Precisamos de programas adequados de saúde mental, mas também de fomentar um senso de comunidade, família e perspectivas positivas de vida – especialmente para os jovens, faixa etária na qual o suicídio mais cresce no país. Neste sentido, a recuperação do crescimento econômico é fundamental.
Para além disso, há todas as questões estruturais como acesso a água e a saneamento – apenas metade da população brasileira mora em residências com coleta de esgoto e apenas 43% dos esgotos passam por tratamento. Há questões ambientais, como a limpeza das águas e do ar, e o acesso aos espaços verdes e a áreas para praticar exercícios que afetam diretamente a saúde dos indivíduos.
Mesmo se focarmos exclusivamente na recuperação da saúde e reabilitação de pacientes, porém, precisamos ir além das estruturas físicas. A qualidade da atenção à saúde depende da capacidade de formar recursos humanos de forma adequada (educação), dos recursos que esses profissionais têm para trabalhar (ciência e tecnologia) e, fundamentalmente, da organização geral deste sistema (gestão).
Olhar para a escala dos problemas da saúde pode ser uma experiência assustadora. Pode parecer que é impossível tratar desses temas com algum grau de eficácia e que qualquer iniciativa é insignificante. Não é o caso – programas de sucesso, como o fornecimento de medicamentos contra a AIDS, a estratégia de saúde da família e as vacinações demonstram que, quando há vontade política e organização, é possível melhorar a saúde da população no longo prazo.
Hoje, muito se fala do custo da saúde seja no setor público, seja no setor privado. De um lado, criticam-se os cortes nos orçamentos públicos e noutro, insiste-se na disparada do chamado custo médico-hospitalar. Em ambos, a repetição melancólica da culpabilidade alheia. Parece que os envolvidos não têm nada com isto e que a solução será obtida num passe de mágica, como se dinheiro à vontade ou reajustes liberados tivessem o condão de resolver os profundos problemas de gestão do Governo e das operadoras de planos de saúde.
Os problemas da saúde, incluindo seu custo, portanto, não serão resolvidos de forma espetaculosa, com ações midiáticas. Eles requerem o trabalho árduo, dedicado e silencioso de milhões de profissionais que, passo a passo, construirão uma saúde melhor para os cidadãos. Os erros, as tragédias e os desmandos de todos os dias não ganham as mesmas manchetes daquilo que é espetacular ou sinistro. Mas o preço que pagamos por eles são o verdadeiro desafio a superar para melhorar a saúde em nosso país.

*Francisco Balestrin é presidente da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp).

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