Nova interpretação do CNJ

* Fabrício Pozatti

Quando se imaginava que os concursos para as delegações notariais e de registro começariam a ser realizados de forma sistemática e livre de problemas, o Conselho Nacional de Justiça, ao julgar o PCA nº 0006147-47.2015.2.00.0000, deu nova interpretaçãoao item 7.1, I, da minuta de edital anexa à Resolução 81/2009, excluindoa pontuação do exercício da delegação notarial e registral da prova de títulos de concurso do Rio Grande do Sul.
Sabe-se que, a partir da Resolução 81/2009 do CNJ, os concursos públicos para a delegação notarial e registral, antes regrados por diferentes legislações estaduais, passaram a ter um mesmo balizador em âmbito nacional. Nesse sentido, todosos concursos levados a efeito a partir da vigência da resolução computaram, corretamente, o exercício da delegação notarial e registral na prova de títulos, conforme expressamente previsto em seu texto. Ora, considerando que o concurso é para a delegação da atividade notarial e registral, não se poderia cogitar de não pontuar o exercício da delegação dessas atividades.
Agora, a polêmica interpretação dada pelo CNJ faz com que, nos concursos para as delegações notariais e registrais, o exercício de tais atividades não seja valorado na prova de títulos dos próprios certames, ao passo que outras atividades jurídicas, como a advocacia, seguem sendo valoradas, ferindo o princípio da isonomia.
A situação é ainda mais curiosa ao se constatar que a decisão está sendo aplicada não só ao concurso de provimento, mas também ao concurso de remoção. Ocorre que não pontuar o exercício da delegação notarial ou de registro fere a própria lógica do concurso de remoção, na qual, evidentemente, a experiência no exercício da atividade, para a qual a remoção está sendo realizada, deve ser valorada, ao menos, de forma isonômica em relação a outras atividades jurídicas que não são o fim do concurso. Importante salientar aqui que, no caso do concurso de remoção, a atividade notarial e registral poderia/deveria até ser supervalorizada em relação a outras atividades, porque, nesse concurso, só concorrem candidatos que já são delegatários da atividade; contudo, o aviltamento da experiência na delegação da atividade notarial e registral é absolutamente incompatível com a finalidade do concurso público em questão.
Vale destacar que o concurso do RS, ao qual a decisão do CNJ se refere, iniciou-se em 2013, já tendo sido realizadas todas as provas (objetiva, dissertativa e oral), bemcomoa análise de títulos, em que foi aplicada a correta exegese do edital pelo TJ/RS, inclusive com a publicação das notas dos candidatos. A alteração posterior dessa classificação, em razão de nova e incorreta interpretação do edital pelo CNJ, não só fere a segurança jurídica, como também o princípio da impessoalidade, tendo em vista que os pontos de todos os candidatos já sãode conhecimento público.
A decisão do CNJ é objeto doMandado do Segurançanº 34.544, que tramita no Supremo Tribunal Federal, na relatoria do Min. Dias Tóffoli, e possui parecer favorável do Procurador Geral da República, estando concluso para decisão. A nova interpretação do CNJ também é objeto de ação ordinária que tramita na Justiça Federal. Adelle Ribeiro Coelho Sandri, representante de alguns candidatos do concurso do RS, tem confiança de que a decisão do CNJ será revista tanto pelo STF quanto pela Justiça Federal. Aprovada no concurso e titular de delegação registral desde 2006, Adelle destaca que, caso não seja revista, a decisão do CNJ poderá acarretar a alteração na classificação de diversos concursos realizados no país, nos quais o exercício da delegação foi pontuado.
Ainda segundo Adelle, a falta de razoabilidade na decisão do CNJ pode ser constatada tanto na lógica do próprio concurso, cujo objetivoé prover as serventias notariais e registrais, quanto na leitura da própria regra prevista na Resolução 81/2009, que prevê, de forma expressa, a valoração da delegação na prova de títulos. No concurso de remoção, o caso da candidata é emblemático e demonstra claramente o absurdo que pode vir a ser perpetuado caso a decisão do CNJ seja mantida. A candidata, que antes da decisão do CNJ, detinha a primeira colocação no concurso de remoção, poderá perder o primeiro lugar não em razão de suas notas nas provas de conhecimento (que foram superiores a todos os demais candidatos da remoção), nem em razão de sua experiência na delegação da atividade notarial e registral, mas por consideração privilegiada da atividade de advocacia exercida por candidato que ocupava a segunda colocação. Isso não é, de forma alguma, razoável, sendo inclusive injusto e nada coerente com a finalidade perseguida pela Administração Pública na realização do concurso para a delegação da atividade notarial e registral.

* Fabrício Pozatti, Advogado e Mestre em Direito – PUC do Rio Grande do Sul

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