O pesadelo da fome no mundo

Atualmente, 815 milhões de pessoas passam fome no mundo – o equivalente a 11% da população mundial. Além disso, um dos maiores desafios da humanidade será, em 2050, garantir que todos os previstos 10 bilhões de habitantes do planeta tenham o que comer. Esse número alarmante equivale a quatro vezes o número de habitantes do Brasil.
Os dados sobre a fome no mundo são do relatório ‘The State of Food Security and Nutrition in the World 2017’ (em português, numa tradução livre, “O estado da segurança alimentar e nutrição no mundo 2017”) elaborado numa parceria entre a FAO e a ONU e divulgado na última sexta-feira (15), em Roma. O estudo oferece estimativas atualizadas sobre o número e a proporção de pessoas que sofrem com o flagelo da fome, apresentando dados globais, regionais e nacionais, além de avaliar as perspectivas para o futuro.
Segundo o estudo, depois de uma trajetória de queda que durou mais de dez anos, a fome em todo o mundo parece estar aumentando novamente. Hoje, segundo o relatório, 11% da população mundial é afetada pelo mal. O número que hoje chega a 815 milhões alcançava, em 2015, os 777 milhões.
Em todo o mundo, a prevalência da desnutrição infantil crônica diminuiu de 29,5% para 22,9%, entre 2005 e 2016. Apesar da redução nos índices, no ano passado 155 milhões de crianças menores de cinco anos em todo o mundo sofriam de desnutrição crônica, o que aumenta o risco de diminuição da capacidade cognitiva, de menor desempenho na escola e de morte por infecções.
Em 2016, a desnutrição aguda, por sua vez, afetava 7,7% das crianças menores de 5 anos em todo o mundo, segundo o relatório. O dado representa cerca de 17 milhões de crianças.
Das pessoas que sofrem com a insegurança alimentar, a grande maioria – 489 milhões de pessoas – vive em países afetados por conflitos. Além disso, os países em conflito apresentam em média uma taxa de desnutrição infantil de 9% a mais do que nos outros países. Isso, em parte, justifica o aumento do número de desnutridos no mundo, sendo que, desde 2010, houve também um aumento dos conflitos violentos que garantem o bilionário faturamento da indústria bélica mundial.
Se de um lado falta comida, do outro sobra. O sobrepeso, segundo os dados divulgados pelo estudo, segue sendo um problema crescente na maioria das regiões do mundo. Em 2016, se estima que 6% das crianças com menos de 5 anos estavam acima do peso, o que equivale a 41 milhões de crianças. Já em 2005, o número estava em 5,3%.
Mas o problema não é exclusivamente infantil. A obesidade em adultos também segue crescendo em todo o mundo, e representa um importante risco de doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer. A obesidade mundial mais do que dobrou entre 1980 e 2014. Em 2014, 600 milhões a mais de pessoas estavam obesas, o equivalente a 13% da população adulta mundial.
O problema é mais grave na América do Norte, Europa e Oceania, onde 28% dos adultos são obesos, em comparação a 7% na Ásia e 11% na África. Na América Latina e no Caribe, aproximadamente 25% da população adulta é considerada obesa.
Infere-se do estudo e das relações internacionais mediadas pelo capitalismo que os alimentos produzidos no mundo são mercadorias que pode ser reguladas como qualquer outra para atender a diferentes interesses e conjunturas como, por exemplo, manter a fome em determinadas regiões do globo para atender os interesses da indústria bélica ou ainda para ditar os padrões do que deve ou não ser consumido pelas sociedades. Assim, concluímos de que a fome e a obesidade não passam de faces perversas de uma mesma moeda que visa, unicamente, o lucro.
Há três anos, no governo da presidenta Dilma Roussef, o Brasil saiu do mapa mundial da fome da ONU – o que significa ter menos de 5% da população em situação de insegurança alimentar – se vê, novamente, as voltas com um velho fantasma que volta a assombrar as famílias brasileiras: a fome. O risco é agravado pela alta taxa de desemprego no Brasil, que no segundo trimestre deste ano foi de 13%, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) – o que equivale a 13,486 milhões de desempregados.
Saindo do universo dos números, é possível combater a fome e a miséria com soluções de baixo custo e de grande alcance social como manter o programa de restaurantes populares, que é uma política pública que visa promover a cidadania, ampliando a oferta de refeições prontas e saudáveis fora do domicílio, em locais confortáveis e de fácil acesso, e com custo acessível, destinadas, preferencialmente, ao público em estado de insegurança alimentar. O espaço do restaurante também poderia integrar outras política públicas ou promover ações de educação alimentar e de saúde para combater o desperdício, preservar e resgatar a cultura gastronômica regional, combater o desperdício e gerar novas práticas e hábitos alimentares saudáveis, além de atividades de economia solidária, cursos de culinária saudável e incentivo a agricultura familiar.
Defender que os restaurantes populares sejam geridos pelos municípios é um meio de garantir que haja controle social do programa e a segurança alimentar e nutricional nas cidades e promover políticas públicas específicas para os setores mais vulneráveis. A expectativa é que os prefeitos prefeitos Washington Reis, da vizinha Duque de Caxias, e Rogério Lisboa, de Nova Iguaçu, levantem a bandeira do combate a miséria e a fome e reabram os únicos restaurantes populares erguidos na Baixada Fluminense e que encerraram suas atividades no final de junho por ordem do governa Pezão. Não resta dúvida de que a reabertura dos restaurantes populares é uma questão de sensibilidade e de vontade política para a inclusão dos pobres na agenda de governo.
Dom Helder e Madre Teresa dão, respectivamente, nome aos restaurantes populares de Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Ambos, são dois grandes ícones na luta pela superação da miséria e da fome no Brasil e no mundo. Fechar os restaurantes populares é um grave desrespeito a memória de ambos. Cabe ainda fazer memória pelos 20 anos da morte do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, idealizador do Movimento pela Ética na Política, em 1992, e da Ação da Cidadania contra a Miséria, a Fome e pela Vida, em 1993, que espalhou milhares de comitês pelo Brasil, conclamando a sociedade numa cruzada cidadã contra a miséria e a fome.
Além disso, é preciso que toda a sociedade se mobilize e enfrente a corrupção e o desmonte das políticas públicas em curso no país, sobretudo, no Estado do Rio de Janeiro, à beira da falência e com servidores públicos sem salários há meses. O caos social gerado pela corrupção merece uma pronta resposta, pois trouxe sofrimento desmedido, deixando a população sem saúde, educação, assistência social e segurança pública.
Apesar da conjuntura sombria, pequenas velas acesas em diferentes cômodos da casa não a iluminarão por inteiro, mas ajudarão a dissipar as trevas e afugentar assombrações como a miséria e a fome que rondam o mundo assolando as populações mais pobres.

*Cláudio Santos é coordenador do Fórum Popular do Povo da Rua da Baixada Fluminense. E-mail: fppr.bxd@gmail.com

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