Cachorrada solta em Nova Iguaçu

Milhares de cães abandonados vivem pelas ruas de Nova Iguaçu. A cidade não conta com programa de proteção aos animais
Fotos: Davi de Castro/Jornal de Hoje

Os cães estão soltos pelas ruas de Nova Iguaçu, cuja proliferação canina, sem programa de castração, doação ou proteção, cresce a cada dia. São milhares de animais abandonados à própria sorte, perambulando pelo centro da cidade e mais ainda pelos bairros. Nem a sede da prefeitura está livre de tanta cachorrada.
Apesar de o Brasil ocupar o 4º lugar do mundo em população de animais de estimação, com mais de 132 milhões espalhados pelos lares do país, as políticas voltadas a estes animais são muito tímidas. A situação só não é pior porque existem cuidadores apaixonados pelos abandonados, que distribuem comida e remédio.
O comerciante Denilson Marques da Silva, 48 anos, gasta grande parte do seu tempo cuidando de cães abandonados pelas ruas. “Tenho ração e medicamentos no carro. Sempre que vejo cachorro na rua, dou comida e remédio, se perceber algumas doenças, como sarna. Existe muito cão abandonado em Nova Iguaçu. Com essa crise, ninguém tem dinheiro disponível pra cuidar dos bichos e o poder público da cidade não tem um programa de recolhimento, proteção, castração ou vacinação”, aponta. “A minha mãe (dona Adenaide, 68 anos) também é assim. Todos os dias ela cuida de 20 cães de rua (no bairro Botafogo). E cuida de gato também. Cuida de tudo que aparece”, lembra Denilson, evidenciando a origem de sua paixão pelos animais.

Indignação e falta de proteção

Indignado e insistente sobre os cuidados contra o abandono de cães, Denilson está anunciando para este ano, em data a ser marcada, uma manifestação para estimular, conscientizar, cobrar e alertar o governo do prefeito Rogerio Lisboa para uma campanha de castração e implantação de programa de proteção aos animais.
“Vamos usar as redes sociais, além de faixas e cartazes pelos bairros”, adianta. Para justificar a iniciativa, ele, que tem o mapa do dos locais de concentrações dos bichos na ponta da língua, diz que em Miguel Couto a quantidade de animais nas ruas é muito grande, assim como em Austin, Parque Flora, Ambaí e bairro Botafogo. “A prefeitura também tem cachorro”, diz Adélia Matos, servidora pública.

Ambiente favorável á proliferação

Denilson Marques acaricia um cão abandonado que circula diariamente pela Praça da Liberdade, no Centro de Nova Iguaçu
Fotos: Davi de Castro/Jornal de Hoje

Acompanhado da equipe do Jornal de Hoje, Denilson Marques circulou pelas ruas centrais de Nova Iguaçu, mostrando cães abandonados. Na Rua Luiz Guimarães (antiga 13 de Maio), Josinaldo de Melo, 60 anos, disse o seguinte: “Aqui o Pirulito (nome do cão) tem cama, comida e até namorada”, valoriza, apontando o canino deitado sobre um papelão ao lado de uma banca de jornal. Denilson, que fez carinho no animal, assim como em outros na Praça da Liberdade, observa que a falta de política pública voltada para essa situação, ajuda na proliferação da espécie e assim o número de cães abandonados aumenta a cada dia. Em outros pontos do município, há maltrato aos cães, mas existem também aqueles que cuidam, sem ter a consciência de que estão ajudando na proliferação descontrolada.
>>Grupo de defesa – A advogada Solange Eliziária Cerqueira Bittencourt, 61 anos, integra um grupo que também cuida dos cães abandonados. “Eu gosto dos bichos e a prefeitura não cuida. Estamos aguardando há mais de 20 anos. A cidade precisa de um centro de esterilização desses animais. Nosso grupo faz rifas, bingos e reciclagem de garrafas pet e alumínio para conseguir recursos para cuidar dos cães”, revela. O grupo se reúne todos os dias 13 e 23, na Igreja de São Jorge e Nossa Senhora de Fátima, onde vendem “caixinhas surpresas”, para angariar recursos em prol da causa animal.
>>Adoção e responsabilidade – A arquiteta e urbanista Janaína Garrido de Castro, 24 anos, apaixonada por cães, comenta que há um jeito certo e outro errado de solucionar o problema do abandono. “Recolher e sacrificar, o que seria um absurdo; ou recolher, cuidar, castrar, cadastrar e colocar para adoção com responsabilidade jurídica, passível de multa, para o dono”, sugere. “Os outros países cuidam. Na Espanha (onde ela estudou Arquitetura), há uma associação nacional que faz campanhas anuais para conscientizar os donos de animais sobre suas responsabilidades. E quem maltrata, pode pagar multa de até 100 mil euros”, frisa.

Riscos para todos

Além do risco físico e dos perigos à saúde humana, pela falta de vacinação contra a raiva e outras doenças, os cães de rua são uma ameaça constante às crianças, jovens e idosos. “A falta de políticas voltadas para o setor, mostra a despreocupação do governo local com a população e os animais”, alfineta Aluisia Santos Madeira, 34 anos. Segundo ela, os cães não cuidados podem transmitir doenças ao homem, como a raiva, a qual também é chamada de hidrofilia. Essa doença é infectada por meio de morcegos, cuja evolução é rápida, alterando a coordenação motora, gerando agressividade e ataxia (perda do controle muscular).

Brasil ocupa o 4º lugar em animais

Enquanto o mundo contabiliza mais de 1 bilhão de animais de estimação, ou seja, criados nos domicílios, o nosso país ocupa o 4º lugar nesse universo, com mais de 132 milhões de cães, gatos, aves, peixes e alguns animais exóticos, morando nos lares do povo brasileiro. Quem anuncia esses números é a Associação Brasileira da Indústria de Produtos de Animais de Estimação – Abinpet. E de acordo com o último censo do IBGE, em 2013, existem mais de 52 milhões de cães e mais de 22 milhões de gatos no país. Pela pesquisa, em 44,3% dos lares existe pelo menos um cão e em 17,7% há, no mínimo, um gato, além de mais de 38 milhões de aves e animais exóticos. E aponta ainda que o percentual de caninos é superior ao de crianças – 44,9 milhões.
>>Melhor do que crianças – Por isso, em vários países já existem praças e locais de encontro específicos para cães, com o objetivo de praticar a socialização entre eles. No ano de 2001, uma equipe do Jornal de Hoje visitou a Bayer central, na cidade de Leverkusen, na Alemanha. Os cientistas da multinacional apresentaram uma grande produção de roupas para animais, principalmente cães e gatos. Perguntado o motivo de uma indústria como a Bayer se voltar para esse ramo, um dos cientistas respondeu: “No Brasil a população tem uma grande admiração por estes animais. Inclusive, alguns tratam cães melhor do que tratam crianças”, observou.

Mais de 120 mil cães abandonados em Nova Iguaçu

Abandonado pelo poder público, o cão ganha abrigo ao lado de dona Maria, uma moradora de rua, que tem preferência pelas marquises da Getúlio Vargas
Fotos: Davi de Castro/Jornal de Hoje

A advogada Simone Girão Sgarzi, 63 anos, ativista e membro de várias organizações de proteção ao animal e meio ambiente, conhece os números divulgados pelo IBGE, sobre cães e gatos, mas avalia que o percentual é muito maior. “Esses órgãos pesquisam os que estão nos lares e não os abandonados. Só em Nova Iguaçu existem mais de 120 mil cães abandonados. E esse dado é de 2013. Eu crio mais de 250 animais em um sítio. São 45 cães e 206 gatos. Nunca fui pesquisada. Como uma cadela procria de três em três meses, a proliferação é grande”, revela. Simone critica a falta de políticas públicas de proteção a esses animais, mas também aponta soluções. “O governo passado fez alguma coisa, mas não colocou em prática. E o que assumiu, acabou com o pouco que havia sido feito”, garante. “A primeira solução é a castração”, sugere.
>>Cadeia contra maus-tratos – Ela lembra que a Holanda foi o primeiro país do mundo a abolir completamente o abandono de cães no país, aplicando três medidas: multa pesada para quem abandona, campanha anual de castração e multa pesada para quem cria animais para vender. Simone, que cuida de animais “desde que se entende como gente” (como ela define), lembra também que o combate aos maus-tratos é importante. A lei 9.605, editada em 1998, em seu artigo 32, condena o agressor a prisão de três meses a um ano de detenção, mais multa. “Em Nova Iguaçu, já levei um homem para a delegacia”, resume.

 

por Davi de Castro (davi.castro@jornalhoje.inf.br)

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