Cabral sobre anel de R$ 800 mil: “presente de puxa-saco”

O anel teria sido comprado a pedido de Cabral para presentear a ex-primeira dama Adriana Ancelmo
Arquivo /ABr

O ex-governador Sérgio Cabral disse ontem (5), em depoimento ao juiz Marcelo Brêtas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que o anel de 200 mil euros (R$ 800 mil) comprado pelo empresário Fernando Cavendish, ex-dono da Delta Engenharia, para a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo não foi propina, mas um “presente de puxa-saco para me agradar”.
“O senhor acha que eu vou entrar numa loja com um sujeito e pedir para ele comprar um anel para a minha mulher? Um empreiteiro encalacrado, um réu, que lavou mais de R$ 300 milhões”, afirmou Cabral, que depôs um dia após Cavendish e acrescentou que devolveu a joia em 2012. “E não quis mais conversa com ele, nós rompemos relações”.
Cabral negou ter participado de esquemas para direcionamento de licitações e afirmou não ter recebido qualquer tipo de propina relacionada à reforma do estádio do Maracanã e às obras do PAC das Favelas e do Arco Metropolitano.
Na segunda-feira (4), Fernando Cavendish disse que o anel que ele comprou na Europa para Adriana Ancelmo, a pedido de Sérgio Cabral, foi compensado com a inclusão de sua empresa nas obras de reforma do Maracanã e que o valor da joia (220 mil euros) foi abatido na propina para o peemedebista. Cavendish relatou o pedido feito em 2009 por Cabral, durante uma viagem de casais, às vésperas do aniversário de Adriana Ancelmo. A joia teria sido comprada na famosa joalheria Van Cleef & Arpels, na Place du Casino, em Mônaco.

Sérgio Cabral e Fernando Cavendish (abaixado), amigos de viagem a Paris
Reprodução / Internet

“Ele me disse que estava presenteando a esposa e gostaria que eu pagasse. Era um valor bastante significativo, 220 mil euros. Disse para ele que aquilo não era apenas um presente, que a gente teria que acertar. Deixei claro que aquilo não era apenas um presente. O Maracanã foi a contrapartida. Aquilo era um anel de compromisso entre mim e ele”, relatou o empresário.
Ainda segundo Cavendish, a Delta pagou propina de R$ 3,5 milhões a Cabral para entrar no consórcio, que incluiu a Odebrecht, para as reformas do Maracanã. No valor da propina para para o ex-governador já estava descontado o anel.
Cabral chegou a admitir que recebeu o anel de Cavendish, mas que teria devolvido o presente em 2012. Segundo a defesa do ex-governador, a devolução foi feita após a divulgação de denúncias envolvendo Cavendish e Carlos Cachoeira.
O depoimento ocorreu no âmbito da Operação Crossover, desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, em que o Ministério Público Federal (MPF) denuncia 20 pessoas. Sérgio Cabral é apontado como líder de uma organização criminosa que arrecadava propina durante o período em que ele foi governador. Em outros três processos, Cabral já foi condenado em primeira instância com penas que somam 72 anos de prisão. Atualmente, ele está na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte do Rio de Janeiro.
>> Crítica a Pezão – Sobre o Maracanã, Cabral leu os nomes de membros da comissão de licitação e afirmou não ter feito nenhuma indicação e nem ter relacionamento com nenhum deles. “Eu nunca indiquei nenhum membro da secretaria de Obras. O meu então vice-governador Pezão foi nomeado por mim secretário de Obras. E, do mesmo jeito como nas demais pastas, eu dei autonomia a ele para que nomeasse a sua equipe. Ele trouxe o Hudson Braga para ser subsecretário. E eu não o conhecia. A primeira vez que tive contato com ele foi dentro do governo”, acrescentou. Hudson Braga posteriormente sucederia Pezão como secretário de Obras e também é denunciado pelo MPF.
Segundo o ex-governador, a obra do Maracanã foi bem-sucedida e o estádio, diferentemente de outros projetos que resultaram em elefantes brancos, tem sido bastante utilizado. Ele criticou o governo do Rio de Janeiro comandado por Pezão. “Só não tem mais uso porque o atual governo não soube solucionar o problema da concessão que surgiu da crise da Odebrecht. Se tivesse sido chamado o segundo colocado da licitação [para assumir a gestão], talvez ele tivesse mais uso do que tem hoje”. A empresa francesa Lagardère é a que apresentou a segunda melhor proposta para o Maracanã.
O ex-governador defendeu ainda o ex-secretário de governo Wilson Carlos. “Nunca nomeou ninguém na Secretaria de Obras. Ele é responsável por salvar muitas vidas. (…) Ele criou a Operação Lei Seca, criou a Lapa Presente. É um grande executivo. Não tinha nada a ver”.
>> Manipulação de editais – Ontem, executivos vinculados à Odebrecht, à Carioca Engenharia e à Delta descreveram como ocorria a manipulação dos editais que garantia a divisão das obras. Uma das estratégias era criar barreiras técnicas inexequíveis pelos concorrentes. O diretor da Odebrecht Infraestrutura, Marcos Vidigal, explicou como a licitação do Maracanã teria sido direcionada.
“Para exemplificar, havia exigências de que as concorrentes tivessem participado de construção ou de reformas de estádios acima de 30 mil torcedores e que tivessem colocado 20 mil cadeiras. Até aquela data, poucas empresas no Brasil havia construído estádio. As últimas obras eram a reforma do Maracanã e a construção do Engenhão [ambas para o Panamericano], que a Odebrecht participou, e tinha no Pará o Mangueirão”, disse.
De outro lado, também era montada a chamada “proposta de cobertura”. Foi pedido à OAS que apresentasse uma proposta de R$ 712 milhões, maior do que os R$ 705 milhões que apresentados pela Odebrecht. Em contrapartida, a empreiteira vencedora da licitação fez propostas de cobertura de interesse da OAS em outros certames no Brasil.
No caso do PAC das Favelas, que envolvia três editais, os depoentes informaram que foram formados três consórcios divididos por nove empresas e os vencedores também foram definidos por proposta combinada. Os executivos afirmaram ainda que o ex-governador Sérgio Cabral, pedia uma propina no valor de 5% sobre o faturamento dos empreendimentos e indicava o ex-secretário de governo, Wilson Carlos, como o responsável pela interlocução com as empresas.
Wilson Carlos, por sua vez, optou por se manter em silêncio em depoimento ontem. De outro lado, o ex-secretário de obras Hudson Braga disse que os processos licitatórios eram de responsabilidade da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop). As colocações o deixam em desacordo com Ícaro Moreno Júnior, presidente da Emop, que negou em depoimento prestado ontem que tenha participado do direcionamento de qualquer edital.
(JB On Line / Com Agência Brasil)

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