Estranho o réu em ação penal ser gestor público

*Ney Lopes

Com o devido respeito, no mínimo estranha a decisão do STJ sobre a permanência no cargo do governador de Minas Gerais Fernando Pimentel.
Abre a porta para o entendimento, de que o afastamento de chefe do executivo ou parlamentar, somente ocorra quando os supostos atos ilícitos praticados pelo réu tenham relação com o exercício do mandato atual. Somente se puniria a corrupção quando praticada no presente, mesmo assim, talvez, exigida prévia condenação. O STJ aceitou a denúncia (Ação Penal 843) do Ministério Público Federal (MPF), em investigação sobre corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Apesar do procedimento penal em curso, a Corte entendeu não haver necessidade de afastamento do governador de MG.
Estão em jogo as aplicações dos princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade (artigo 37 da CF) e a exigência implícita do perfil de lisura pessoal para o exercício da gestão pública.
Seria compreensível a permanência em mandatos ou cargos, de quem tivesse contra si apenas acusações esparsas, de natureza política, ampliadas na mídia, ou investigações preliminares em curso. Todavia, o quadro jurídico muda totalmente, quando se instaura a instância, inclusive com processo penal, provas documentais, indícios e denuncia recebida.
Como alguém, réu de corrupção teria legitimidade para preservar o pressuposto da moralidade administrativa e gerir milhões e milhões de reais, exercendo mandato, cargo ou função no Executivo, ou em Mesas Diretoras do Legislativo? Data vênia, muito difícil crer que isso seja possível.
É o caso de afirmar que o direito protegeria a desonestidade, sem aplicação de penalidade ou ônus a título preventivo, através de medida cautelar, desde que a corrupção tenha sido praticada em cargos, funções ou mandatos exercidos no passado.
O pressuposto ético deveria ser a exigência da “ficha limpa” para o exercício de mandato, função ou cargo público, em qualquer circunstância.
Isso significaria não admitir que o titular de mandato, sendo réu em qualquer tipo de ação penal ou civil, fosse considerado “ficha limpa”.
Se essa exigência não for feita será legalizada a impunidade antecipada, para efeito de garantir funções e mandatos populares em governos, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais de réus em ações de improbidade, peculato e outros crimes.
Seria até possível admitir a preservação do mandato, dependendo da gravidade das acusações e da presunção de inocência, apreciado caso a caso.
Nunca, entretanto, permitir que o réu seja gestor público. Certamente, a matéria não se esgotará.
Os juízes poderão, fundamentadamente, discordar dessa decisão do STJ, que não obriga aplicação vertical nas outras instâncias. Talvez, o próprio Tribunal venha a adotar novo entendimento, ou o STF reaprecie a matéria.

*Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino-Americano, procurador federal – nl@neylopes.com.br – blogdoneylopes.com.br

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