Intervenção: deputados usam dados falsos em debates

A intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, aprovada pela população, provocou debates intensos e gafes informativas na Câmara
Fernando Frazão/Agência Brasil

Em tempos de fake news (notícias falsas, boatos), a aprovação de uma intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro provocou debates intensos no Congresso e dominou o noticiário. Na segunda-feira (19/02) ocorreu a votação na Câmara dos Deputados do decreto do presidente Michel Temer (MDB) que colocou o general Walter Souza Braga Netto no comando das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros e da administração penitenciária no estado. A aprovação ocorreu por 340 votos a 72, com uma abstenção, e foi referendada no dia seguinte pelo Senado, por 55 a 13, com uma abstenção.
Segundo análises da Agência Pública, alguns parlamentares escorregaram nas informações e dados durante suas falas na tribuna. Confira o que há de verdadeiro e falso em algumas afirmações.

Sessim ‘chuta’ sobre porcentagem

“Em pesquisa realizada ontem (18/2), 94% da população do Rio de Janeiro aprovou a intervenção.” – Simão Sessim (PP-RJ), deputado federal (FALSO)
Ao justificar o seu voto a favor da intervenção, o deputado federal Simão Sessim (PP-RJ) afirmou que 94% da população do Rio de Janeiro apoia a medida de Temer. A pesquisa em que ele se baseou, contudo, não foi uma consulta feita por amostragem com uma parcela representativa dos moradores do estado. A frase é falsa.
A Agência entrou em contato com a assessoria de imprensa do parlamentar e pediu a fonte da informação. O chefe de gabinete do deputado, Cesar Girardi, disse por telefone que a afirmação “foi feita sem uma pesquisa com base oficial” e citou a rádio BandNews FM como uma das fontes da afirmação.
Uma reportagem do portal da Band do dia 16 de fevereiro e um trecho de um programa da rádio falam sobre o assunto. Afirmam, entretanto, que 90% das publicações em redes sociais eram favoráveis à intervenção na sexta-feira (16). Isso significa que a análise se baseou em posts de usuários, ou seja, não houve uma consulta à população do Rio de Janeiro, como afirmou Sessim durante o discurso. As reportagens apontam como autor do levantamento o publicitário Guto Graça. A reportagem entrou em contato com Graça, que também é colunista do quadro “Pulso”, da BandNews. Segundo ele, a pesquisa foi feita pela DataScript, empresa que dirige, especializada em análise de dados. Foram analisadas as publicações dos usuários em redes sociais sobre o assunto entre as 6 horas e as 9 horas da sexta-feira (16). O publicitário explicou que foram monitorados os usuários e as palavras utilizadas nos posts sobre esse tema. Como a pesquisa levou em conta apenas as reações e interações em redes sociais em um curto período de tempo, não serve para identificar o número de pessoas que aprovam a intervenção.

Tem mais polícia trabalhando

“No Rio de Janeiro, o percentual de pessoas que estão trabalhando na Polícia Civil e na Polícia Militar é de apenas 55%. Hoje o efetivo lá não chega a 21 mil policiais, e esse número teria que ser em torno de 40 a 45 mil.” – Laerte Bessa (PR-DF), deputado federal. (FALSO)
O deputado Laerte Bessa (PR-DF) usou dados falsos ao citar o tamanho das polícias fluminenses em seu discurso em defesa da intervenção federal no Rio de Janeiro. Ainda que dados indiquem que o efetivo das Polícias Civil e Militar no Rio de Janeiro seja insuficiente, a quantidade de funcionários de ambas no estado supera o número citado por ele no plenário da Câmara. Por isso, o Truco da AP classificou a frase do parlamentar como falsa.
A assessoria de Bessa citou duas fontes como origem dos dados utilizados. A primeira é uma reportagem do jornal O Dia, de 17 de junho de 2017, que informa que o efetivo da PM é 60% menor do que o ideal no estado. A segunda é um estudo do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) – “O Ministério Público e o controle externo da atividade policial” – sobre a situação da polícia civil em todo o país. A análise usou dados de 2016.
Baseada em um outro estudo feito pelo CNMP, a reportagem de O Dia cita o mesmo número mencionado pelo deputado, de que há apenas 21 mil policiais no Rio. Mas esse valor considera apenas os integrantes da PM em batalhões, ou seja, não leva em conta todo o contingente e também não inclui no cálculo os policiais civis. O texto diz ainda que o ideal seriam 36 mil agentes para fazer o patrulhamento em bairros e municípios, não “em torno de 40 a 45 mil”. Já no primeiro contato a assessoria de Bessa admitiu este último erro.
A análise a que O Dia teve acesso não é pública. A assessoria de imprensa do CNMP informou que não pode dar mais detalhes sobre o levantamento, por considerar os dados sensíveis. Isso torna impossível entender melhor o déficit apontado. A PM do Rio informou que conta hoje com 44.487 policiais militares. O órgão, contudo, não aponta quantos deles estão lotados em batalhões ­– logo, não se sabe se houve um aumento na quantidade desse contingente desde que o CNMP fez o estudo.
Faltam também informações detalhadas sobre a Polícia Civil na outra pesquisa do CNMP citada pelo parlamentar. O documento traça um panorama das delegacias em todo o país, mas sempre com o cuidado de não citar o número de funcionários em cada estado. Procurada pelo Truco, a Polícia Civil do Rio de Janeiro informou que hoje conta com cerca de 9.500 integrantes. A Lei nº 6.166/2012, sancionada pelo então governador Sérgio Cabral, estabeleceu que o órgão deveria ter 23.116 funcionários.
Tanto o estudo do CNMP como a legislação estadual apontam que há uma defasagem nos dois órgãos da segurança do Rio. Mas, se somadas, as duas estruturas contam com cerca de 54 mil policiais – número muito superior aos 21 mil mencionados por Bessa durante o seu discurso.

>> Jandira errou feio no cálculo dos bilhões da segurança

A comunista Feghali diminuiu valor de orçamento sem pesquisar a veracidade da informação
Ag Câmara

“Este é um governo que baixou de R$ 6 bilhões para R$ 2 bilhões o dinheiro da segurança pública deste país.” – Jandira Feghali (PCdoB-RJ), deputada federal ( FALSO).

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) usou um dado falso ao dizer que houve diminuição de R$ 4 bilhões no orçamento da segurança pública do Brasil. Questionada sobre a fonte dessa informação, a assessoria de imprensa da parlamentar disse que ela se baseou em um estudo técnico de 2018 da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados. O levantamento, contudo, não tem nenhuma relação com o tema e foi encomendado pela liderança do PCdoB para verificar a constitucionalidade e adequação orçamentária do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) nº1, de 2018, aprovado em 20 de fevereiro. A proposta abriu R$ 2 bilhões em crédito aos municípios para a superação de dificuldades financeiras emergenciais.
A reportagem entrou em contato com o Ministério da Justiça para verificar o histórico do orçamento da área de segurança pública do Brasil de 2011 a 2018. De acordo com os dados do Ministério, a verba destinada ao setor aumentou de R$ 8 bilhões para R$ 9 bilhões durante esse período, conforme o gráfico abaixo. Dados do Portal da Transparência também indicam que, em 2016 e 2017, os gastos com segurança pública continuaram no mesmo patamar, de pouco mais de R$ 10 bilhões, em valores corrigidos pelo IPCA.
A assessoria da pasta informou por e-mail que o orçamento do Fundo Nacional de Segurança Pública foi reduzido de 2017 para 2018. Isso ocorreu porque foram colocadas menos emendas impositivas, que são feitas por parlamentares. “Entretanto, o orçamento discricionário (executado pelo próprio Ministério da Justiça) foi majorado [aumentou] de R$ 631 milhões em 2017 para R$ 751 milhões em 2018, ou seja, em R$ 120 milhões”, informou.

>> Tucano Leite acerta nas estatísticas sobre roubos diversos

Deputado carioca pelo PSDB, Otavio Leite, não errou. Falou certo sobre números de roubos
Agência Câmara

“Nos últimos 7 anos, de 2010 a 2017, os roubos aumentaram 91%: houve 230 mil roubos no ano passado. Os roubos a cargas aumentaram 304%, os de veículos tiveram 189% de aumento nos 7 anos.” – Otavio Leite (PSDB-RJ), deputado federal (VERDADEIRO).

Em seu discurso, o deputado Otavio Leite apresentou dados que mostram o aumento em diversos indicadores de violência no estado do Rio de Janeiro. Ao Truco, a assessoria de imprensa do parlamentar afirmou que os dados provêm de uma reportagem do jornal O Globo publicada em 16 de fevereiro. O texto descreve como o Rio teve, em 2017, um ano de recordes ruins nos números da segurança. Os dados apresentados no texto são do ISP, vinculado ao governo do estado do Rio de Janeiro. Todos os números citados pelo parlamentar correspondem aos apurados na reportagem e registrados pelo ISP. A frase é verdadeira.
A reportagem informa que, em 2010, ocorreram 120.300 roubos no estado do Rio, enquanto em 2017 foram registrados 230.450. O aumento em sete anos foi de 91,5%, o que condiz com o número citado pelo parlamentar. O texto menciona ainda roubos de cargas, com dados iguais aos mostrados por Leite: “Os roubos de carga, que levaram a um prejuízo de R$ 607,1 milhões em 2017, atingiram a marca de 10.599 casos. Trata-se de um índice 304% superior aos 2.619 registros deste tipo em 2010.”
O deputado também acerta o número de roubos de veículos. “O indicador de roubo de veículos, conhecido por ser a melhor forma de se medir o aumento da violência, por ter baixa subnotificação por parte das vítimas, teve também expressivo crescimento. Em 2010, foram 18.773 carros roubados no estado. No acumulado do ano passado, foram 54.367, alta de 189,6% nesta comparação”, diz a reportagem. Todos os dados da matéria do Globo coincidem com os do ISP.
Após apresentar essas informações, o deputado se confundiu ao falar de outros números da segurança pública carioca. Em trecho não selecionado nesta checagem, Leite afirma que “os roubos em ônibus aumentaram mais de 284%: foram 15 mil no Rio de Janeiro”. O número absoluto de roubos em coletivos está correto: em 2017, foram registrados 15.283 casos, segundo o ISP. No entanto, o deputado confunde o aumento porcentual dos roubos em ônibus com a porcentagem dos roubos de celulares. Foram 86,3% mais ocorrências em ônibus, de 2010 para 2017, e 284,9% mais casos de roubos de celulares, que ficaram em 24.387 casos. (Fonte: Agência Pública)

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