Vivendo de joelhos

*Roberto Motta

Era domingo, e eu almoçava com a minha família em um restaurante onde vamos sempre, quando o garçom que nos servia se aproximou de mim. Aqui eu preciso avisar: tenho ótima memória para rostos. Cruzo na rua com pessoas que vi pela última vez há 30 ou 40 anos e as reconheço instantaneamente. Mas tenho dificuldade anormal com nomes. Costumo esquecer os nomes das pessoas poucos segundos depois de ser apresentado a elas. Isso se tornou fonte de angústia e de situações embaraçosas sem fim. Como vivo com a cabeça nas nuvens, também geralmente esqueço de perguntar o nome das pessoas com que estou falando. O fato é que eu não sabia ainda que o nome do rapaz que se aproximou de mim era Rogério.
Ao chegar perto de mim ele disse: “Desculpe perguntar, mas o senhor faz uns vídeos?”
Eu levei um susto. Quando me perguntam isso, nunca sei o que vem depois.
“Faço sim”, admiti, meio envergonhado.
“Já vi muitos vídeos seus”, ele disse, mencionando o nome de um canal da internet que reproduzia meu material. E chegando mais perto e falando um pouco mais baixo: “Concordo com tudo o que senhor diz”.
“As coisas têm que mudar, não é?”. Acho que foi essa a resposta que eu dei.
“Tem que mudar tudo”, Rogério respondeu, “é um absurdo a situação em que vivemos”. Ele me contou a história de um outro garçom, colega de trabalho no restaurante – “aquele ali”, ele me apontou. O colega tinha uma motocicleta caindo aos pedaços, que era o seu transporte para o trabalho. Há poucos dias, chegando no subúrbio distante em que morava, o colega havia sido rendido por dois criminosos armados – “vagabundos”, como os descreveu Rogério – que roubaram, a moto.
“Agora”, disse Rogério, “ele toma duas conduções para vir trabalhar”.
A experiência de ser brutalizado pelo crime é hoje o denominador comum da brasilidade. É a ponte que supera diferenças sociais. Falar de crime é o assunto que inicia as conversas entre estranhos nas filas de supermercado, nas salas de espera de dentista e nos intervalos para o café nas empresas.
As manchetes dos jornais brasileiros só têm dois assuntos: o crime violento dos bandidos de rua e a corrupção organizada dos políticos.
A primeira pergunta na cabeça dos brasileiros é: até onde vai tudo isso?
A segunda pergunta é: que democracia é essa, onde a nossa escolha é entre ser roubado à mão armada ou ser roubado através do voto?
Somos um país que vive de joelhos.

*Roberto Motta é engenheiro civil (PUC-Rio) e pós-graduado no Mestrado Executivo em Gestão Empresarial pela FGV-RJ. Tem experiência como executivo de grandes empresas no Brasil e EUA nas áreas de tecnologia da informação, desenvolvimento de negócios e gestão empresarial. Fundador e ex-membro do Partido Novo, mantém o site “https://robertobmotta.com” e é autor de “Ou Ficar a Pátria Livre” (Amora do Leblon, 2016).

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