ONG denuncia internação degradante de pessoas com deficiência no Brasil

Após visitar 19 instituições que abrigam pessoas com deficiência nos estados do Rio de Janeiro, da Bahia e de São Paulo, além do Distrito Federal, a Human Rights Watch (HRW) apresentou documento denunciando a situação degradante e as graves violações dos diretos a que muitos internos são submetidos. Os dados foram apresentados na quarta-feira (23), com o lançamento do relatório “Eles ficam isolados até morrer: Uma vida de isolamento e negligência”, em evento na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
De acordo com a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, internalizada no Brasil por meio do Decreto 6.949/2009, “pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.
Segundo o coordenador da pesquisa, Carlos Ríos Espinosa, foram encontradas situações como pessoas amarradas nas camas, sem possibilidade de ter atividades cotidianas ou no exterior, uso de medicamentos sem fins terapêuticos, apenas para contenção e controle social do paciente, uso de camisas de força, quarto de isolamento, detenção ilegal e a total falta de poder de decisão sobre a própria vida, além de pouco ou nenhum objeto pessoal, chegando a compartilhar escova de dente. Em uma instituição, os pesquisadores encontraram uma pessoa de 70 anos que vive em abrigos desde os 5.
Espinosa explica que, na média, as instituições abrigam de 30 a 50 pessoas, mas foram encontradas algumas com mais de 100 pessoas, e sem o número adequado de funcionários para prestar um bom atendimento. “Encontramos situações muito delicadas, não porque as pessoas que atendem tenham intenção de infringir dano, ao contrário, os trabalhadores têm dificuldade para proporcionar o apoio por falta de recursos. Chegamos a encontrar uma situação de 51 pessoas sendo atendidas por apenas quatro profissionais. É uma situação que, obviamente, gera condições para a violação de direitos”.
Nas oito instituições que abrigam crianças, foram encontradas meninas e meninos sem acesso a atividades educativas. “Muitos profissionais, por falta de treinamento, consideravam que algumas crianças, pela própria deficiência, pelo nível de comprometimento, não podiam ter educação, e então elas eram completamente excluídas e marginalizadas”, relata o pesquisador.
A diretora da HRW no Brasil, Maria Laura Galileu, lembra que existe uma convenção da pessoa com deficiência no país, mas que ela ainda precisa ser implantada. “Tem que ter uma mudança
de cultura, a pessoa com deficiência não é um objeto de cuidado, ela é sujeito de direitos. Esse é o grande pulo do gato”.
Parou de estudar – O jovem Leonardo Barcelos, de 25 anos, tem distrofia muscular e passou 9 anos em um abrigo porque a mãe não tinha condições físicas nem financeiras de cuidar dele sozinha. Na instituição, só conseguiu concluir o ensino fundamental, com o projeto Professor Itinerante, que ia até o local dar as aulas. Para o ensino médio, o governo do estado não disponibiliza a modalidade.

Resposta do governo para a crueldade
Em nota, a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, do Ministério dos Direitos Humanos, admite que “contenções físicas e administração compulsiva de medicamentos dizem respeito a tratamentos e procedimentos médicos equivocados aplicados a esta população específica, o que é muito grave”. Segundo relato do secretário Marco Pellegrini enviado pela assessoria de imprensa, a internação, por si só, de pessoas com deficiência é “uma situação ruim e inadequada” e que, em condições precárias e sofrendo privações, “é uma violação de direitos que a legislação proíbe”.
Ainda de acordo com a nota, “o Ministério dos Direitos Humanos está trabalhando fortemente na colocação em prática da Lei Brasileira de Inclusão – LBI, a regulamentação dos artigos e parceria com o Ministério Público e agências regulamentadoras vem colocando em prática as políticas inclusivas que possibilitam as pessoas com deficiência migrarem da condição de imobilidade social para a condição de cidadania. Esse é o único caminho para acabar com o abandono dessa população e consequente submissão as situações relatadas”, diz a nota.
Segundo o ministério, a sustentabilidade para essa “necessária rede de proteção” com “dignidade a todos” será possível com o estabelecimento de uma Política de Cuidados a Pessoas Idosas e Pessoas com Deficiência associada a sofisticação da Política de Residências Inclusivas, o que está sendo buscado pelo governo.

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