Chefe de inspetor morto em Acari, delegado da Dcod escreve carta afirmando que Rio está em guerra

Policiais fazem operação em Acari após a morte de agente em 12/06/2018 Foto: Divulgação

Pela segunda vez, um policial civil faz um desabafo pela falta de condições para investigar na corporação. Depois da morte do chefe de investigações da Delegacia de Combate às Drogas (Dcod), o titular da especializada, Felipe Curi, fez um desabafo em uma carta que dominou as conversas e os grupos nas redes sociais dos policiais. Há duas semanas, o delegado Brenno Carnevale também postou uma carta para reclamar que as investigações estavam paradas na Divisão de Homicídios por causa do caso Marielle. Em sua carta, Curi teceu elogios ao colega morto em operação na Favela de Acari na terça-feira, o inspetor Ellery de Ramos Lemos e disse que a morte do colega não ficará impune.

Ele afirmou que o estado está em guerra e a Polícia Civil está abandonada: “Não temos acesso às modernas ferramentas de inteligência. Viaturas que mais parecem sucatas ambulantes. Os blindados só funcionam com gambiarras e sempre quebram nos locais mais perigosos. Por vezes temos que implorar para uma interceptação telefônica, por um mandado de prisão”, afirmou o titular. O sepultamento do corpo do inspetor Lemos acontecerá às 15h30m desta quarta-feira no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap.

Segundo Curi, “Lemos era um policial diferenciado. Extremamente inteligente e operacional. Com experiência de PQD e da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), nunca vi igual em atuação. Foi com ele que aprendi tudo de operação. Trabalhamos juntos em oito delegacias e, ao longo desse tempo, foram mais de 1.500 prisões de traficantes, roubadores, homicidas, milicianos, estupradores e toda horda de marginais que assola a nossa sociedade e o nosso Estado. (…) Um grande chefe de investigações, um grande irmão, um grande amigo, com quem passava mais tempo do que com a minha família. Combateu o bom combate e faleceu fazendo o que amava, abraçado ao seu fuzil. Foi um herói. Ao ver que seus companheiros estavam em situação extremamente perigosa e complicada, não hesitou em apoiá-los, momento em que foi alvejado fatalmente por um marginal que não tem o menor compromisso com a vida humana e recebe tratamento leniente do Estado”.

Curi, em sua carta de despedida do amigo, disse ainda que o Rio de Janeiro está em guerra e que “alguns hipócritas não assumem”. E diz ainda, entre outras coisas, que os blindados só funcionam com gambiarras.

“Trabalhamos em condições mais que precárias. A Polícia Civil está abandonada e a cada dia percebem-se movimentos para retirar as suas atribuições. Não temos acesso às modernas ferramentas de inteligência. Viaturas que mais parecem sucatas ambulantes. Os blindados só funcionam com gambiarras e sempre quebram nos locais mais perigosos. Por vezes temos que implorar para uma interceptação telefônica, por um mandado de prisão. Enquanto acharem que segurança pública é feita somente com mais viatura, armamento, farda e policiamento ostensivo, a situação só irá piorar. Somente a polícia judiciária é capaz de atingir as grandes organizações criminosas. Ainda não enxergaram isso ou realmente não há ‘interesse’ em acabar com elas. Não conheço outro local no mundo, em situação de paz, que tem mais de 60.000 armas de grosso calibre nas mãos de marginais em regiões onde a polícia só entra com aparato de guerra. Esse é o verdadeiro Rio de Janeiro. Realmente estamos em guerra e alguns hipócritas não assumem”.

Em tom de desabafo, o delegado faz críticas a entidades ligadas a direitos humanos pelo fato de elas ainda não terem se manifestado sobre a morte de Lemos. E critica parte da mídia, a qual chama de hipócrita.

“Até agora não vi a Anistia Internacional, Comissão de Diretos Humanos da Alerj e outras ONGs aproveitadoras se manifestarem sobre a estúpida morte do Lemos. E não verei. Não se manifestarão publicamente para cobrar empenho e uma rápida elucidação desse crime bárbaro. Talvez porque ele fosse branco, pai de família, policial e não fizesse parte de partidos de esquerda, grupos de minorias e não pertencesse ao patético grupo dos “policiais antifascistas”. Hipócritas! Parte da mídia, também hipócrita, não vai cobrar a solução da sua morte, fazendo uma contagem do tempo, conforme assistimos diariamente há três meses nos noticiários.

Por fim, Felipe Curi diz que a morte de Lemos não será em vão e não ficará impune.

“Mas a sua morte não será em vão. Apesar de todas as dificuldades e carências, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro tem o dom de se reinventar e é composta por verdadeiros guerreiros que têm o sangue de polícia na veia. E nós mesmos iremos chegar aos responsáveis por essa barbárie. Não ficará impune! O que fica são as lembranças dos bons momentos, grandes dificuldades, várias situações de perigo que passamos juntos, que jamais esquecei. Descanse em paz, meu irmão e amigo. Obrigado por tudo. Obrigado por toda a sua lealdade, empenho e dedicação durante todos esses anos que trabalhamos juntos. Jamais te esquecerei. Que Deus o receba de braços abertos e conforte a sua família e amigos”.

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