
Após uma devassa das Forças Armadas devolver às ruas 35% dos policiais militares que estavam afastados do trabalho por doenças psiquiátricas, a prefeitura do Rio recorreu ao interventor federal, o general Braga Netto, para fazer a mesma checagem nas licenças médicas no município, onde 12% dos servidores faltaram este ano pelo menos um dia, por motivo de doença. Dados da Secretaria da Casa Civil revelam que, dos 91.246 funcionários da administração direta e da Guarda Municipal, 11.251 apresentaram atestado médico, entre 1º de janeiro e 15 de outubro deste ano. O número fez o prefeito Marcelo Crivella bater à porta do Gabinete de Intervenção Federal (GIF), que negou ajuda, alegando já estar fazendo um pente-fino na PM.
A princípio, o economista Nelson Karam, do Núcleo de Políticas Públicas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e coordenador do Anuário de Saúde do Trabalhador, considera alto o índice de afastamento de servidores do Rio, motivado por problemas de saúde:
— Eu precisaria de um histórico para fazer uma análise mais aprofundada. Mas entendo que, de 4% a 5% do pessoal, seria um percentual dentro da razoabilidade. O que precisa é ver qual é a motivação dessas licenças. Sabe-se que há muita diferenciação conforme a categoria. Professores e pessoas que trabalham muito tempo em pé, por exemplo, estão entre os que mais se afastam por doença.
O total de licenças médicas apresentadas por servidores da administração direta e da Guarda Municipal chegou a 16.476 este ano, o que mostra que alguns funcionários foram dispensados mais de uma vez. Entre os que ficaram fora do serviço público, 3.032 foram dispensados por 30 dias ou mais. Outros 1.798 tiveram licenças curtas, de até cinco dias.
Segundo a Secretaria da Casa Civil, responsável pelo controle de pessoal da prefeitura, em 19 de outubro, havia 3.255 servidores afastados para tratamento médico. Doenças mentais e comportamentais, além de ortopédicas, são disparadas as principais causas das dispensas. Categoria mais numerosa, a dos profissionais de educação, lidera os afastamentos: dos 53 mil professores e profissionais de apoio, 2.090 estavam licenciados em 19 de outubro, número que alcança cerca de 12 mil no ano.
‘Repúdio ao pente-fino’
Izabel Cristina Costa, uma das coordenadoras gerais do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), repudia a ideia da realização de um pente-fino nas licenças. E afirma que o importante é melhorar as condições de trabalho da categoria e dar solução para as áreas conflagradas:
— Só quem está dentro da escola sabe o que está acontecendo. Com menos de cinco anos de trabalho, nossas merendeiras desenvolvem problemas cardíacos e ortopédicos, porque precisam carregar muito peso. Há ainda muitas licenças psiquiátricas, que têm relação com a questão da violência nas áreas controladas por tráfico ou milícia.
Por nota, Crivella diz que pediu à Intervenção que “colaborasse para zerar a fila de pedidos de licenças médicas e revalidação”, alegando que “o seu considerável número tem comprometido a celeridade das análises pela equipe de recursos humanos”. Diante da negativa, afirma que “seguirá realizando o trabalho com seu corpo de profissionais”. Dos 76 servidores lotados na perícia, 39 são médicos.
‘Sem corpo mole’
Nas dispensas superiores a seis dias ao ano, consecutivas ou não, o funcionário deve ser avaliado pela Coordenadoria de Perícias Médicas. No órgão, que funciona no nono andar do prédio anexo ao Centro Administrativo, na Cidade Nova, o movimento é grande diariamente. Nos bancos de espera, a maioria é mulher e da área da educação. Uma professora, que esteve lá semana passada, contou que caiu e descolou a patela. Ela reclamou da possibilidade de uma devassa nas licenças:
— Se derem assistência ao funcionário, ele não vai ficar doente.
Outra professora, que trabalha numa escola de Coelho Neto, confirmou que o mais comum entre educadores são licenças por ortopedia e psiquiatria. Ela, por exemplo, rompeu um tendão.
— A maioria não faz corpo mole. Na educação, muitos estão cansados e se sentem desvalorizado. O corpo não aguenta. Há muita gente com depressão. Na minha escola, muitos estão doentes, empurrando com a barriga.
Na PM, 35% dos afastados não tinham problema de saúde
No início de agosto, quatro juntas médicas da Marinha, do Exército e da Polícia Militar começaram a avaliar os cerca de 2.500 afastamentos de PMs por motivos psiquiátricos. Nos primeiros 1.054 casos avaliados, 35,7% dos policiais não apresentavam qualquer problema de saúde física ou mental. Pelo balanço atualizado ontem, já tinham sido revogadas 484 licenças. O pente-fino ainda está em curso.
O trabalho conjunto teve início depois que investigações da Corregedoria da PM revelaram fraudes nas licenças para tratamento de saúde de policiais militares. Um dos casos foi o da soldado Luciana Amaral de Freitas Sousa, do 19º BPM (Copacabana), que, enquanto estava afastada da corporação por problemas ortopédicos, competia em provas de corrida e ciclismo. Numa foto postada no Facebook em 2 de janeiro — quando a PM estava licenciada e só podia fazer trabalhos internos —, ela aparecia com roupas de corrida, sorrindo, sob a legenda “Põe mais 42km de bike. Cansada? Claro que não”. Luciana foi excluída da PM.
Outros dois policiais investigados pela Corregedoria responderam a inquérito administrativo. Os oficiais — o subtenente Marcos Antônio de Macedo, do 15º BPM (Duque de Caxias), e o capitão Leandro Silva Vale, que era lotado no Hospital da PM de Niterói — passaram a desempenhar apenas funções administrativas.