Uma luz que nunca se apagará

Davi de Castro *

Eu não ajudei a acender a luz. Ela já estava acesa quando cheguei aqui, pela primeira vez, no ano de 1984. A luz já estava bem acesa. Eu só ajudei ela brilhar ainda mais. Eu fiquei muito alegre…muito feliz, mesmo.
Fiz a primeira matéria polêmica, ao me infiltrar em uma reunião fechada do Dom Mauro Morelli, e publicar declarações dele, segundo as quais “o Brasil só mudaria com derramamento de sangue”, e que só fizeram ‘filhadaputice’ com a educação. Uma expressão dura, para se referir ao brigadeiro Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, sobre a sua influência no sistema da educação brasileira.
O bispo, no dia seguinte à publicação, usando o seu intelecto político, enviou uma carta para a redação, a qual publicamos, lógico, me conceituando como “um patriota estusiasmado”, e reafirmando que pregava a revolução, sim, “mas nos moldes do Frei Caneca”.
O coração do Jornal de Hoje batia forte e repercutia em todas as regiões do estado do Rio de Janeiro. Nossas equipes cobriam cada canto do Rio, todos os dias. Meu trabalho ganhou evidência e visibilidade. Fazia as principais matérias políticas, contra ou a favor, mas sempre de interesse da população e da empresa. Fui aprendendo a construir todo o tipo de matéria. Desde casamento de famosos, ou não, até de crimes, de aniversários e de política.
Era uma grande escola de jornalismo, que instalou a profissionalização do jornalismo na Baixada. Só ele. E continuou como o único, desde o dia que nasceu, em 2 de outubro de 1971.
Fui ficando cada vez mais conhecido e passei por várias outras redações, quando ganhei espaço em outros estados do Brasil e até no exterior… na Europa.
Tivemos a honra de receber estagiários, os quais se tornaram famosos e premiados no campo do jornalismo, como João Antônio Barros, Marlon Brum, Sérgio Ramalho, Ana Cristina da Rocha Carvalho, Cristiane Laranjeiras, Adriana Cruz, Elaine Monteiro, Luciana Melo, Ivan de Oliveira, Marcelo Remígio, Élcio Braga e outros. Repórteres fotográficos como Domingos Peixoto, o internacional Marcos Hermes, Antônio Cruz, Ivan Teixeira, Claudio Pereira Passos, um dos percussores, e muitos outros. E ainda tem os bravos da oficina, que são muitos.
Todos os políticos e todos os empresários na região, principalmente da Baixada e de Nova Iguaçu, se protegiam, de graça ou a preço de quase, na amizade do saudoso diretor-presidente Valcir de Almeida. Mas anunciavam, sempre ou quase sempre, nas páginas de veículos cariocas, apesar de neles, não terem espaço para chorar suas pitangas. Lá essa turma não tinha proteção nenhuma.
As vidas foram mudando, os tempos também, a política e sua forma começaram sofrer transformações rápidas, as consciências políticas e administrativas foram crescendo, tudo junto, e a justiça foi se tornando mais célere. Foi ficando mais difícil manipular recursos públicos para atender questões politico-pessoais.
Após muitas idas e vindas, agora com 66 anos de idade, voltei pela décima vez, como repórter, do tipo “faz tudo”. E como quase todos saíram, fui tornado editor. Editor de quase nada.
O coração do nosso carinhoso e protetor JH foi se tornando mais fraco. O povo (leitor) foi sumindo. Os profissionais também. Todos foram impelidos a buscar novos ares. Agora é tudo mais difícil. Muito mais. Os olhos do JH já não conseguem enxergar tudo, como antes. Meia dúzia de esperançosos e aguerridos funcionários investiram todos os seus esforços.
Apesar de quase um ano sem receber salários, não arredaram o pé. Chamo esse povo de, “os amigos da dor” e os “mestres da esperança”. Estou no meio deles. Mas fracassei, por não ter conseguido segurar nas mãos do Jornal de Hoje e erguê-lo até a beira da praia. Procurei quase todos que foram protegidos ao longo de anos. Ninguém nos atendeu. O JH agoniza e já nem produz para pagar a sua própria comida. É triste. Olho o retrato de Valcir, sorrindo na parede do tempo, em sua sala de reunião, pintado a óleo. Fico triste. Choro. Choro por nós, funcionários falidos.
Choro pelos 47 anos do JH, pelo Valcir, seu filho Walceyr e sua esposa dona Ivanice e por toda sua família também. E não por aqueles ‘canguinhas’ e gananciosos que perderão a proteção para sempre.
Mesmo que eu seja o último a sair daqui, por um desses corredores, eu não vou apagar a luz, mesmo que esta seja a última edição. Pois o brilho do JH continuará aceso no coração do Rio de Janeiro, da Baixada Fluminense, de Nova Iguaçu e no coração de todos aqueles a quem Deus deu a sabedoria e a dádiva da gratidão. Pois aquilo que é bom nunca se apaga.

*Davi de Castro, o último editor

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