*Ibaneis Rocha
Com a nata dos políticos brasileiros respondendo a processos ou mofando na cadeia, após uma vergonhosa pilhagem do erário público, e com o descrédito nas instituições que escandalosamente brigam entre si e misturam os papéis da República, difundiu-se ideia de que as pessoas querem distância da política e seus representantes, algo a ser provado nas próximas eleições.
A ser verdade, uma situação assim colocaria em risco a causa democrática, pois esta tem nos políticos uma de suas bases primordiais, por serem os representantes da coletividade. Os ecos da História ainda estão aí para quem quer ouvir: quando a indiferença alcançou a República romana, gerou César; na Revolução Francesa, fermentou os sonhos imperiais de Napoleão; e quando as democracias representativas titubearam na Europa dos anos de 1930, erguerem-se o fascismo de Mussolini e o nazismo tresloucado de Hitler.
É do sempre celebrado Winston Churchil, típica raposa política de seu tempo (os cinemas estão exibindo “O Destino de uma Nação”), a frase: “A democracia é o pior dos regimes, excetuados todos os outros”. Já na visão do pensador alemão Bertolt Brecht, cidadania sem prática política faz surgir o alienado, que ao virar as costas à luta permite nascer a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, o político vigarista, corrupto e lacaio.
Nem precisamos ir tão longe para entender a importância da política. Rui Barbosa dava a ela o crédito por ter transformado o Direito Privado, revolucionado o Direito Penal, instituído o Direito Constitucional e criado o Direito Internacional. É o próprio viver dos povos, é a força ou o Direito, é a civilização ou a barbárie, é a guerra ou a paz.
Ou, ainda, nas palavras simples de um dos maiores poetas populares que este Brasil já produziu, Patativa de Assaré, “se ser político é reclamar das injustiças, então eu sou político”.
Transposto esse espírito para os dias atuais, foi para nos livrar de “todos os outros regimes” que a sociedade brasileira ganhou as ruas, na década de 1980, exigindo democracia.
Logo, o que nos resta fazer? Democracia exige cuidados para que nem sejamos nós, e muito menos aqueles que elegemos para nos representar nos parlamentos e governos, a desvirtuá-la em prol de caprichos pessoais ou estranhos ao interesse público. Como diz o adágio popular, democracia é assim mesmo: barulhenta, briguenta, apaixonante.
O rodízio de representantes estabelecido pelo povo nas urnas é mais que saudável: é vital, indispensável. Devemos lembrar que a luta pela redemocratização teve um custou alto para toda a sociedade. Não pode ser comprometida pelo retorno, sob qualquer pretexto ou argumento, ao autoritarismo. Na democracia estamos, e nela queremos permanecer, aprimorando o que é preciso. Não há truques ou atalhos. Democracia exige trabalho, determinação, paciência, sabedoria, sinceridade de propósitos. Exige, sobretudo, compromisso com a diversidade, com o outro, o que pensa diferente.
Ao mesmo tempo, a sociedade vem avançando e pondo abaixo práticas antes consideradas normais. E não é só contra a corrupção que a população se insurge. Respeitar e promover a igualdade de gêneros tornou-se uma exigência. A discriminação racial é combatida em todos os espaços. Tudo isto ajuda na conta, mas ainda não zera o nosso déficit social.
Para zerar, teríamos de abolir algumas chagas que incomodam, como, por exemplo a injusta distribuição de riqueza, a falta de segurança pública, a precária saúde pública, o desleixo com a educação fundamental etc.
Estou convencido que as pontes para vencermos esses abismos devem ser construídas na política. Primeiro, dando conteúdo jurídico à indignação cívica; segundo, promovendo a faxina moral nas instituições. Elas são a instância civilizatória de uma sociedade. Quando perdem autoridade, põem em risco as conquistas históricas que fazem de um povo uma nação.
Incoerente e irresponsável seria se ficássemos à margem dessa discussão. Precisamos avançar mais. É votando que se aprende a votar; é vivenciando os conflitos que aprendemos a identificar o direito do outro, os nossos deveres, os deveres e as limitações do Estado.
Por isto resolvi fazer política. Talvez devido à minha origem, talvez quem sabe devido à minha formação no Direito, o certo é desenvolvi um forte pendor de me indignar diante de qualquer tipo de injustiça. Acredito no Estado Democrático de Direito e mesmo no entremeio de uma crise como a que enfrentamos, mantenho o otimismo de um futuro melhor.
*Ibaneis Rocha foi presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF) e é secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB