*Thiago de Araújo
Peço licença a Chico Buarque e Milton Nascimento. Creio que a música Cálice, tão valorosa nos tempos de ditadura militar nos quais foi composta e gravada, vale bem para o momento turbulento que o Brasil atravessa.
Acredito que não se discute, seja você a favor ou contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que é preciso frear a condução que se vê na presidência da Câmara dos Deputados por Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Nem mesmo quem vê como vitória a eleição secreta de uma chapa independente, nem mesmo os que pularam de alegria com a decisão do ministro Luiz Edson Fachin em suspender todo o processo até o dia 16 de dezembro, quando o plenário do STF analisará essa e outras questões relativas ao impeachment.
“Como é difícil acordar calado/Se na calada da noite eu me dano/Quero lançar um grito desumano/Que é uma maneira de ser escutado. Esse silêncio todo me atordoa/
Atordoado eu permaneço atento/Na arquibancada, pra qualquer momento/ Ver emergir o monstro da lagoa”.
Desmandos como os vistos na votação da redução da maioridade penal, para citar somente um caso notório neste ano legislativo, acabam mudando o foco da discussão, de seus méritos e erros. Como naquela ocasião, o presidente da Câmara atropelou o regimento interno. O artigo 188, que trata de votações abertas e secretas, não fala em Comissão Especial, mas define o tipo de votação em outros casos. Ele usou o inciso III, que fala em eleições para comissões, para encaixar a votação secreta. Contudo, no mesmo artigo, em seu segundo parágrafo, consta o seguinte texto: Não serão objeto de deliberação por meio de escrutínio secreto:
I – recursos sobre questão de ordem; II – projeto de lei periódica; III – proposição que vise à alteração de legislação codificada ou disponha sobre leis tributárias em geral, concessão de favores, privilégios ou isenções e qualquer das matérias compreendidas nos incisos I, II, IV, VI, VII, XI, XII e XVII do art. 21 e incisos IV, VII, X, XII e XV do art. 22 da Constituição Federal; IV – autorização para instauração de processo, nas infrações penais comuns ou nos crimes de responsabilidade, contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado.
Não, Fachin não é bolivariano, como sugeriu uma hashtag no Twitter nesta quarta-feira (9). É provável que ele tenha lido o regimento e, diante da polêmica que abre brechas para interpretações, resolveu levar para o plenário a discussão.
Cabe mencionar que o Supremo já definiu, em um passado recente, que votações secretas devam ser exceção, enquanto as abertas devem ser regra no Parlamento.
Cunha poderia ter aceitado o impeachment muito antes, como já pedia uma parcela das ruas e do próprio Congresso Nacional. Não o fez até julgar interessante para si – o medo de perder o mandato e ver a denúncia contra ele por envolvimento na Operação Lava Jato ser aceita pelo STF -, demonstrando pouco interesse em ajudar o País a sair da atual crise.
A manutenção de Cunha na presidência da Câmara, embora atenda aos interesses de quem quer o impeachment de Dilma, torna o processo questionável de maneira ética e política. A lisura da discussão sobre o tema, independente para que lado venha a pender nos próximos meses, pede alguém menos controverso.
Se puder não ter contas e trustes obscuros no exterior e amigos na Operação Lava Jato, melhor. Afasta de mim esse Cunha.
*Thiago de Araújo é repórter de Política no site HuffPost Brasil.