Democracia e as catracas do Senado

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*Rafael Favetti

Agência Senado

Era quase noite do dia 21 de novembro de 2017 quando o Senador Roberto Requião (PMDB-PR) postou nas redes sociais um relato indignado. Na fala, o Senador explicou que convidados seus para uma audiência teriam sido barrados pela segurança do Senado e que esta exigiu a presença pessoal do Senador na portaria. Ao se dirigir a entrada, o Senador teria sido confrontado por um segurança, que teria tentado impedir sua passagem.
O fato, que parecia uma desavença fútil, na verdade revelou uma situação crônica dos nossos valores democráticos e do status das relações público-privadas no Brasil.
Primeiramente, cabe esclarecer que não analisa o teor do art. 53, XIII, da Constituição, que estabelece ser o Senado quem deva disciplinar sua própria vigilância interna (polícia no vocábulo da Constituição). A questão ora levantada é de cunho exógeno e não endógeno ao Senado, apesar de se verificar que há muita confusão quanto ao termo polícia em pontos da legislação constitucional e infraconstitucional. O que aqui se busca é o pano de fundo simbólico do bizarro fato narrado pelo Senador paranaense.
O ocorrido inserido em um cenário de a) interrupção de novas credenciais para entes não estatais no Senado, b) parâmetros casuísticos para o controle de acesso à Casa Alta e c) discussão no Congresso sobre projetos de lei que regulamentarão o Lobby no Brasil, vale dizer, debates parlamentares sobre as relações público-privadas no país.
Ao se pensar no tripé da Nação, composto pelo Estado-Sociedade-Mercado, é cediço que o Estado é o componente detentor do grande poderio (v.g. Faoro, “Os Donos do Poder”). É dizer: a Nação se desenvolve para o Estado, com ele e por ele. Essa dinâmica provoca sérios danos no consciente e no inconsciente social, político e institucional: é horrível para nosso desenvolvimento que a legitimidade para defesas dos interesses (sempre heterogêneos em uma sociedade múltipla) se dê, apenas, pela via estatal ou de seus estamentos. Daí a urgência de se estabelecer espaços para que a dimensão privada da Nação possa dialogar, de maneira legítima, com o Estado, suplantando a carência hoje vivida.
A corrupção – prática nefasta – acha lugar justamente no hiato dado pelo patrimonialismo, pela falta de transparência e ausência de espaços legítimos para a defesa dos interesses privados. No plano ontológico, o acesso aos decisores não pode permanecer obscuro, sob pena de mantermos uma das principais variáveis causadora das práticas danosas. A escolha absolutamente discricionária de quem pode e quem não pode ter acesso aos decisores já demonstrou ser extremamente ruim para nossa Democracia.
Logo, é melhor para o futuro do país que se amplie as possibilidades de diálogo entre a sociedade/mercado com o Estado, ampliação esta que deva prezar pela transparência, accountability e acesso ao processo decisório, pois é exatamente na falta de acesso que os milagreiros (quase sempre corruptos) ganham terreno: o vendedor de portas abertas não tem lugar onde a porta está aberta para todos de maneira racional, pré-definida e transparente.
Os locci mais visíveis do diálogo público nacional são as Casas do Congresso. Deixar o controle de acesso à Casa Alta nas mãos da policia do Senado revela o caráter policialesco de como as instituições ainda percebem a sociedade e o mercado. Escolher quem entra e quem sai de maneira aleatória, descompromissada e amadora é realmente um fomento ao atraso, à obscuridade e de forte conteúdo autoritário. Hoje é a polícia do Senado quem escolhe quem tem voz na Democracia.
Por outro lado, não é de se culpar a vigilância do Senado, pois esta apenas cumpre o papel que lhes é dado. É o desprezo pelos valores democráticos que desagua nesse tipo de oráculo da democracia, que detém o poder de escolher os eleitos, os sorteados e os sortudos a terem acesso às discussões políticas. Mais uma vez, o servidor não tem culpa e provavelmente nem consciência da mácula democrática que está se vivenciando. Ouvem-se, aqui e ali, discursos surreais sobre controle de ingresso – físico e de ideias – ao Congresso e aos decisores. Essa aposta no divórcio do Estado com a sociedade/mercado já provou estar completamente equivocada. Oxalá os estamentos burocráticos de estado tomem consciência da existência, validade e legitimidade da dimensão privada brasileira.

*Rafael Favetti é Advogado, Cientista Político e Professor. Conselheiro Seccional da OAB-DF, membro da ABRIG (Associação Brasileira de Relações Governamentais). Foi Secretário-Executivo do Ministério da Justiça.

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