*Magno Martins Mendes
O atual escândalo de corrupção na compra de merenda escolar pelo Estado de São Paulo traz novamente à tona a questão da eficácia e até da legalidade envolvida no processo desse tipo de contratação pela Administração Pública. Há algum tempo, a terceirização da merenda escolar tem sido objeto de amplo debate. O tema condiciona o pensamento para uma questão de meio e fim: se o fornecimento da merenda escolar é atividade fim exclusiva do Estado e se a sua terceirização atinge o fim a que se destina, de cumprir a atividade suplementar do Estado como garantidor da alimentação do educando. Indissociável do debate está a analise da nova forma de atuação do Estado verificada na contemporaneidade, após os processos de privatização e liberalização a que foi submetido nas últimas décadas. Não obstante o conjunto de normas que definem o papel do Estado na educação, a Administração Pública tem enfrentado hodiernamente novos desafios, impondo a tomada de decisões que antes de tudo não podem perder de vista o interesse público. Nesta esteira, o administrador público está inserido em uma nova forma de atuação do Estado em que permanece a ideia central de bem estar social. Entretanto, o Estado que antes era um exclusivo provedor e fornecedor de bens e serviços vem atuando como Estado Regulador com maior participação do ente privado. Insta salientar que esta visível mudança de um Estado provedor-prestador para um Estado regulador não apenas interfere, mas invoca uma mudança na Administração Pública que passa também a ter o papel de reguladora daquelas atividades delegadas. Este é hoje o grande desafio da administração pública, promover a garantia dos serviços e fornecimentos prestados ou delegados em prol do interesse público e dentro da legalidade. Não por acaso o tema provoca acirrado debate, tanto jurídico quanto financeiro, principalmente por interferir diretamente no erário. No que tange à terceirização da merenda escolar, a Constituição Federal, no seu artigo 208, inciso VII, expressa: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: (…) VII – atendimento ao material didático escolar”. Observe-se que o texto constitucional ao tratar alimentação por meio de programas suplementares conduz de modo indefectível para inferirmos que seu fornecimento consiste em atividade meio, nada obstando para que seja passível de terceirização, ao contrário do Ensino, este sim atividade fim e de fato típica do Estado. Importa ainda examinar os termos do disposto no inciso VIII do artigo 4º da Lei n.º 9.394/06, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, em que os programas de alimentação escolar são considerados como suplementares. Neste apartamentos para alugar em santos sentido, o artigo 71 da mesma lei, em seu inciso IV, veda que as despesas realizadas por aqueles programas (suplementares) sejam consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino, estando dele separadas, para que, então, seja atendido o mínimo que alude o artigo 212 da Carta Magna, que trata dos valores em percentuais a serem destinados à educação. Portanto, não se pode olvidar desta evidente dicotomia, e de entendermos por bem definida e normatizada a atividade do Estado na educação, inexistindo impedimentos para a terceirização. Os princípios do regime jurídico administrativo, previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal, descrevem o múnus da administração pública, a forma como ela deve pautar suas ações e decisões. Estes princípios devem ser aplicados em todo o procedimento da terceirização da merenda escolar, sendo capaz de garantir o interesse público e a efetividade para o destinatário do serviço. Deste modo, sendo a merenda escolar terceirizada uma decisão do administrador público, este, ao fazê-lo, permanece no dever de verificar os princípios administrativos além daqueles preconizados no mencionado artigo 37 da Constituição Federal. Tais princípios, como a vantajosidade e economicidade, devem se fazer presentes de forma clara no processo de contratação. Entretanto, independente do meio utilizado para execução do serviço, o administrador público, no caso da merenda escolar, deve ainda observar as diretrizes do programa de repasse de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Cumpre-lhe, neste caso, observar a transparência, no sentido de proporcionar o controle e cotejamento dos preços de gêneros adquiridos para execução dos serviços. Em síntese, a utilização dos recursos públicos deve estar alinhada com os planos e diretrizes estabelecidos, inclusive com as normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, para que não ocorram prejuízos para o erário e comprometimento do serviço ou fornecimento entregue à sociedade. Neste sentido, recomenda-se nos atos convocatórios estabelecer critérios objetivos capazes de identificar e distinguir o fornecimento dos gêneros alimentícios dos serviços prestados, com o fim de avaliar a aquisição dos produtos no preço de mercado, como já decidiu o TCU no Acórdão nº 675/2011 – Plenário. Enfim, guardados os princípios do regime jurídico administrativo, nada obsta que o administrador público proceda a terceirização da merenda escolar, se observadas a eficiência e economicidade em prol do interesse público. As dúvidas e incertezas quanto à terceirização, superada a questão da legalidade, muito provavelmente se fundam em experiências como a que atualmente vive o Estado de São Paulo.
*Magno Martins Mendes, é advogado e consultor de empresas, sócio fundador do escritório Mendes & Brunizio Advogados Associados. Enviar Imprimir