*Silvia Caetano
O populismo está na agenda política. Desde o Brexit no Reino Unido, passando pela eleição de Donald Trump até as campanhas eleitorais em curso na Europa. Representa uma ameaça à democracia. Coloca em causa seus procedimentos, sua intermediação através da separação dos poderes, a representação parlamentar e a superioridade da vontade popular. Mobiliza centenas de pessoas e possui representantes no mapa mundial das ditaduras e nos países democráticos. Como tema, tem sido a munição favorita de políticos para enfrentar adversários. Contudo, para a maioria, nem sempre é claro como surgiu, vem crescendo e o que se deve fazer para combatê-lo eficazmente.
Parte da Europa respirou aliviada quando o atual Primeiro Ministro da Holanda, Mark Rutte, venceu as eleições do dia 15 de março, derrotando o oxigenado populista Geert Wilkder. É bom lembrar, contudo, que o europeísta Rutte recorreu ao discurso radical do adversário para captar votos. Foi duro com os imigrantes. Impediu a realização, na Holanda, de comícios articulados por Recep Tayyip Erdogan para implantar uma ditadura na Turquia. Não deixou aterrissar o avião que transportava o chanceler turco, Mevvlut Cavusolg, que planejava defender o referendo de Erdogan. E mandou embora a ministra Fatma Betül Sayan, que viajou de carro desde a Alemanha até Rotterdam com o mesmo objetivo. Mas não disse uma só palavra contra a União Européia.
O que aconteceu na Holanda ocorre em outros países europeus. São candidatos jogando uma parte da população contra a outra com o uso de problemas ainda não solucionados pelos dirigentes europeus. No caso holandês, a estratégia favoreceu Mark Rutte, embora não tenha sido tão bem sucedido como se apregoa. Juntamente com seu coligado, o PVDA (Partido Trabalhista) ficou abaixo do seu desempenho nas eleições de 2012. Perderam mais da metade de suas cadeiras no Parlamento. E isso apesar da economia do país navegar em céu de brigadeiro, Rutte ter implantado reformas reclamadas pela população e o subsídio mínimo, para adulto, ser 266 euros semanais, o triplo do Reino Unido e nove vezes mais do que a média em Portugal. O eleitorado holandês revelou cansaço com as políticas de Bruxelas mas não a intenção de sair da União Européia.
Por outro lado, o populista Geert Wilders perdeu para os liberais onde esperava ganhar, como por exemplo na cidade mais pobre da Holanda, Oude Pekela, com 8 mil holandeses brancos e 200 refugiados do Oriente Médio. Foi nessa aldeia que uma manifestação popular impediu a instalação de um centro de refugiados, obrigando o governo local a despachar 130 deles para outras regiões do país. Mas também foi lá que numerosos holandeses reagiram à xenofobia. Contrários ao preconceito, protestaram em frente à Câmara Municipal com cartazes declarando-se envergonhados e a favor de receber asilados. O resultado traduz o comportamento de um eleitorado melhor esclarecido.
É preciso explicar às pessoas porque essa retórica conquista adeptos em todo o mundo. Qual a razão de Rutte ter ganho apesar de haver radicalizado contra imigrantes e, Wilders, perdido onde deveria vencer?O primeiro apontou para os benefícios da União Européia e o outro para o divórcio. Ao contrário do que ocorre no Brasil, os holandeses são educados e não se deixaram manipular. Discordam das políticas de austeridade de Bruxelas, mas sabem que seriam prejudicados saindo da União Européia. Será difícil combater o populismo dos Trumps e suas variantes européias sem um diagnóstico profundo da sua natureza. E sem reconhecer que, no discurso populista, nacionalista, xenófobo ou equivalente, há razões que não podem ser ignoradas. Nos Estados Unidos, o populismo frutificou na esteira de uma crise econômica específica que causou o empobrecimento de milhares, fato que Trump soube explorar com a promessa de tempos de fartura.
Na União Europeia, o populismo recrudesceu quando Bruxelas começou a impor políticas de austeridade à classe média e aos mais pobres como a única alternativa para estancar a crise financeira de 2008. Foi sobre essa parcela da população que recaiu o ônus de salvar bancos, empresas e resguardar a imagem de alguns políticos. A seguir foi sendo alimentado por diversos problemas mal resolvidos pelos dirigentes europeus, como a chegada em massa dos refugiados do Oriente Médio. Para combater o populismo seria de enorme ajuda se reconhecessem que suas estratégias de recuperação econômica produziram devastação econômica e social na Europa, infligindo aos menos favorecidos, e com total indiferença, sofrimentos que perduram até a atualidade.
As desigualdades foram se ampliando. Os ricos se distanciaram cada vez mais dos pobres, agravando- se o sentimento de exclusão de amplas parcelas das populações. A classe média perdeu status e empobreceu. Deixou de haver mobilidade social e, com isso, a esperança desapareceu do horizonte dos que contavam com essa possibilidade para ascender na vida. O desemprego se alastrou como uma epidemia e as pessoas comuns passaram a olhar a elites dos seus países com rancor.
A exploração desse ressentimento, poderosa emoção que o povo sente por suas elites, é a estratégia dos populistas. Cada um, a seu modo, busca manipular o eleitorado em defesa dos seus interesses. Aproveitam a indignação, talvez até a inveja, sentida por muitas pessoas em relação aos privilégios desfrutados pelas elites. Não foi isso que também aconteceu no Brasil, com o “nós contra eles”?
Qualquer tema serve aos interesses dos populistas. Tudo vale para os nacionalistas, xenófobos e oportunistas de toda espécie. O discurso pode ser qualquer um. Adapta-se às condicionantes de cada país. Em comum, buscam dividir as pessoas e não apresentam propostas concretas para equacionar as desigualdades existentes. O eleitorado precisa entender que a diferença entre populistas e democratas é que os primeiros procuram criar a desunião, culpando os ricos pelos problemas dos pobres. Enquanto os verdadeiros democratas buscamagregar todos em busca de um futuro comum e melhor.
Convém não esquecer dessa dicotomia na hora de votar num determinado candidato. Ao que tudo indica, essa escolha pode se tornar impossível no Brasil se os ameaçados pela Lava Jato conseguirem aprovar ,às pressas, o sistema de listas. Elas são adotadas em muitos países, funcionando apenas nas democracias com partidos políticos estruturados e representativos. No Brasil, servirá apenas esconder os candidatos procurados pela polícia.
*Silvia Caetano é jornalista.