*Pedro Rogério Moreira
A atitude indigna de tentar enredar seu pedido de demissão do Ministério da Cultura – um ato rotineiro numa democracia republicana – num suposto complô empresarial espúrio de que faria parte até o presidente da República, leva o observador do inusitado humano a buscar razões para o ato insano do funcionário público. Vamos até ao fundo da alma humana, se preciso for, para tentar uma explicação – era o nosso intento.
Um sobrenome estrangeiro merece uma escala no Google. Ali somos informados de que a origem é espanhola, com referências a grandes dignitários do reino ibérico, que se espraia sobre o oceano e vai até às ilhas Canárias. Não, não é só da Espanha; o Google acrescenta que Calero também os há na Itália. E, como os espanhóis, são também relacionados entre a nobreza daquele povo amigo, antes da reunificação do país. O observador do inusitado pensa poder encontrar nos antepassados remotos do jovem de olhos de Capitu (dissimulados e de ressaca, escreveu Machado de Assis) uma pista, uma marca, um indício para levantar-se o véu que encobriria a desonra de que foi protagonista o Calero brasileiro. Mas o observador desiste no meio da pesquisa, por inútil. Para que ir tão longe para analisar um ato indigno? Infelizmente, o espírito de Joaquim Silvério dos Reis existe em qualquer povo, a partir do Gênese, e, pelo que vimos nos últimos dias, permanece vivo entre nós desde os tristes tempos da infâmia ocorrida em Vila Rica. A indignidade nasceu com o mundo e continuará até o fim dos tempos, conclui o observador. Portanto, basta de percorrer os caminhos digitais sem dificuldades do Google e vamos logo ao fim da picada, à estrada pedregosa, espinhenta, íngreme, feia e sombria, onde estão as verdadeiras digitais da delação cujo prêmio é o opróbrio do país. O fim da picada chama-se Marcelo Calero. E é diplomata, pasmem! Um diplomata age à sorrelfa e à socapa? – indagaria na linguagem fin-de-siecle o romancista criador de Capitu, como pensou o marido dela, Bentinho, de seu amigo Escobar. Ou perguntaria o grande Barão do Rio Branco. Não, na verdade o Barão não faria essa pergunta, pois naquela boa época o Itamaraty não conhecia comportamentos indignos. Extravagâncias intelectuais, sim. Mas não é o caso do ex-ministro da Cultura, em cujo currículo funcional não se encontra atividades de pensamento, mesmo extravagantes como foi a forma de ele encaminhar o ato de demissão. Indignidades, naquela ilustre Casa, o Brasil só veio a conhecer durante os Governos Militares, quando pouquíssimos diplomatas vestiram a roupagem da abominação e denunciaram colegas aos órgãos de segurança por terem um pensamento diferente daquele que governava o Brasil. O jovem Calero veio ao mundo depois desse tempo vergonhoso para a história da diplomacia brasileira, e ao que nos indica o Google, não correrá em suas veias o sangue glorioso da sua distante e remota parentela ibérica e itálica; no fim da picada, ele assimilou mesmo, por osmose na identificação, o espírito que presidia a alma feminina de Joaquim Silvério dos Reis.
*Pedro Rogério Moreira, cidadão e jornalista.