Jango, sobretudo brasileiro

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest
Pocket
WhatsApp

*Cristovam Buarque

Raramente, a literatura e a história do Brasil nos oferecem textos com memórias e autobiografias que carregam ao mesmo tempo informação, história, sensibilidade pessoal e análise política. “Jango e Eu: Memórias de um Exílio sem Volta”, de João Vicente Goulart, carrega todas essas qualidades, além da beleza estética de um texto que se lê com prazer.
O livro passa com muita sensibilidade pela história da relação entre pai e filho entre os 7 e os 29 anos do autor. Ao longo das 350 páginas, percebe-se uma relação de profundo amor filial e paternal também; além disso, uma imensa cumplicidade positiva e respeitosa entre os dois.
Mas o pai não é qualquer um, é um ex-presidente da República. Nenhum outro presidente levou tão a sério o compromisso com a democracia, mesmo no momento em que seu poder foi ameaçado e ele, destituído.
O livro de João Vicente começa e termina de maneira dramática: ao ver, com os olhos de 7 anos de idade, sua mãe arrumando as malas, no Palácio Presidencial da Granja do Torto, para partir para o exílio, sem saber como estava seu pai, e termina no cemitério de São Borja, abraçado ao caixão de Jango.
A figura de Jango sai consolidada como democrata, companheiro solidário dos combatentes exilados, patriota nacionalista, um político defensor de se fazer um Brasil soberano diante das nações e justo com seu povo. Ao longo de todo o seu exílio, o ex-presidente manteve-se fiel ao sentimento pacifista, ao compromisso com a integridade nacional, ao desapego com o poder pessoal em nome da unidade nacional.
Isso não quer dizer que ele tenha ficado alheio ao Brasil. O livro mostra que, dentro dos limites impostos pelo estatuto do exilado, ele participou das conversas e articulações na defesa da restauração da democracia. Para isso, foi capaz de gestos radicais, como receber Carlos Lacerda, na tentativa de formar uma frente ampla democrática. A foto dos dois é um símbolo de que, 50 anos depois, vamos precisar de diálogo para barrar uma guerra civil, consolidar a democracia e fazer as reformas necessárias, tanto aquelas que Jango defendia quanto as outras que meio século depois nos são exigidas.
Essa necessidade, tantos anos depois, mostra como o livro de João Vicente, que é agradável e estimulante como leitura e como descrição histórica, é também um alerta para os que estão hoje na política. A necessidade do diálogo com princípios; a tolerância com os compromissos nacionais não corporativos; e a visão de longo prazo, não apenas do imediato, percebendo a necessidade de reformas, as de Jango e as novas, sem abrir mão do compromisso com os trabalhadores e com todos os brasileiros, desta e das novas gerações. Precisamos de um diálogo em que cada um seja primeiro brasileiro, democrata e reformista; e político apenas por circunstância, como Jango: um brasileiro, sobretudo.
Para todos esses, o livro de João Vicente é um marco, um chamado, uma memória oportuna de se relembrar.

*Cristovam Buarque é senador pelo PPS-DF.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest
Pocket
WhatsApp

Nunca perca nenhuma notícia importante. Assine nosso boletim informativo.

Publicidades

error: Conteúdo protegido!