José de Alencar e a corrupção

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*Maria José Rocha

Em 1864, o escritor José de Alencar, nos Escritos Políticos – Cartas de Erasmo à Corte do Leão – A festa macarrônica, entrou em evidência para dizer ao imperador, por intermédio do seu personagem Erasmo, grandes verdades, com muita elegância. Fiquei muito impressionada com a repetição secular dos problemas brasileiros. Eles são quase sem data no Império ou na República. Está escrito na primeira Carta Política de Erasmo ao imperador, datada de 17 de novembro de 1865: O Brasil passa neste momento um transe bem doloroso. Se a rotação dos estados tem seus dias e suas noites, nós chegamos já às sombras crepusculares de uma tarde medonha; os pródromos da tormenta são sinistros; a calma podre da opinião assusta os espíritos mais intrépidos. Um publicista, tão robusto no raciocínio, quanto profundo na observação, Montesquieu, deixou escrita estas palavras: A desgraça de uma república é a carência de luta; sucede isso quando corrompem o povo; ele torna-se frio e se afeiçoa ao dinheiro, mas perde o gosto aos negócios. Sem interesse pelo governo e pelo que lhe propõem, espera tranquilamente pelo salário. (Espírito das Leis). Quem não sente a presença desse grave e terrível sintoma de corrupção, na infeliz atualidade, em que tudo se merca e barateia, voto, honra e reputação?
Esse é um testemunho de 1864, que embora tenha sido publicado em 1865 por um personagem fictício, criado pelo escritor José de Alencar, para falar com o Imperador sobre imoralidades e corrupção, é absolutamente atual. Essas são denúncias de 1865, mas vêm sendo pronunciadas na atualidade.
Recentemente ouvi de dois delegados frases tão semelhantes àquelas pronunciadas em 1864, que muito me instigaram. O delegado Miguel Lucena afirmou que “nunca se viu um fenômeno de corrupção tão devastador e paralisador das pessoas” E para enfrentar a corrupção e recuperar a esperança das pessoas propõe a convocação de um amplo movimento, intitulado de Corrente do Bem. E o outro foi o delegado da Polícia Federal Jorge Pontes, que num artigo no Diário do Poder afirmou: “Nunca nenhuma sociedade foi tão afrontada e, curiosamente, nunca passamos por tamanho estado de letargia e apatia diante de uma situação tão grave”.
Lamentavelmente, o bárbaro insulto à dignidade do povo brasileiro foi apenas atualizado, com as práticas desenfreadas de corrupção dos políticos dos nossos dias, que vêm sendo qualificadas pelo delegado Miguel Lucena como desembestados. Pessoas que perderam a vergonha, a culpa e o medo.
Na mesma carta política, Erasmo(1864) apela para que o Imperador “convoque todos os homens honestos; congregue – os ao redor do trono, para que sobre as ruínas dos antigos partidos desbaratados pelo egoísmo se eleve o grande partido da lei e da moralidade”.
O personagem de Alencar continua clamando: O povo espera de vós que aniquileis os bandos de ambiciosos que se associam para explorar as desgraças públicas em proveito seu: que expulseis dos santuários da nação os réus de improbidade política, como Cristo enxotou os mercadores do templo; que ordeneis aos poderosos o respeito à moral e à justiça […] E prossegue: Podereis desvanecer-vos de ser o herói de um império e talvez de um século americano; tereis esmagado a hidra da corrupção que ameaça devorar a nação.
A leitura das Cartas a Erasmo produziu, mais uma vez, em mim, uma sensação terrível de que estamos sempre a nos repetir! No que se refere à corrupção, é necessário enfatizar e o texto supracitado é um bom exemplo da trágica situação do país. O texto seria uma denúncia, não fosse acomodada constatação dos políticos brasileiros, uma espécie de testemunho neutro, sempre foi assim, como se nada houvesse para corrigir. Foi um testemunho de homens do Império, como poderia ser de alguns homens públicos de hoje. E para finalizar escolhi este clamor de Erasmo(1864): A desgraça de uma república é a carência de luta! Essa frase foi pronunciada por Erasmo de José de Alencar e poderia ser pronunciado por qualquer um de nós na atualidade. (1)

*Maria José Rocha é mestre e doutoranda em Educação. Ex-deputada baiana, preside em Brasília a Casa da Educação Anísio Teixeira. (1) José de Alencar (1864) nos Escritos Políticos – Cartas de Erasmo à Corte do Leão – A festa macarrônica. Edições de Senado Federal, 2011.

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