*Ibaneis Rocha
Um alerta feito pelo ministro Ricardo Lewandowski, em recente sessão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), trouxe à tona uma questão muito importante, mas deliberadamente ignorada: a falta de critérios objetivos e uniformes para a investigação penal comandada pelo Ministério Público.
O ministro disse em ótima hora que o Congresso Nacional deve à nação o regramento desse poder investigatório que, como qualquer poder em uma democracia republicana, não pode ser ilimitado.
A bem da verdade, o Supremo já fixou balizas para a investigação penal há alguns anos ao julgar uma ação que questionava tal prerrogativa. Na ocasião, os ministros decidiram que o Ministério Público tem poder para conduzir investigações penais. Mas, para isso, precisa seguir as mesmas regras dos inquéritos policiais. Quais são elas? Publicidade do procedimento de investigação, submissão ao controle judicial e acesso das partes investigadas às provas já elencadas nos autos.
Em resumo, o procedimento tem de ser transparente. No caso de sigilo, a sua decretação tem de ser fundamentada. São regras razoáveis. Elas garantem, em última análise, a legitimidade das próprias ações do MP, já que seguindo à risca o devido processo legal e obedecendo ao direito à ampla defesa, as chances de ver suas ações serem anuladas pelo Judiciário, por serem injustas, caem substancialmente.
Agentes do Ministério Público não se encontram acima do bem e do mal, como alguns membros do Parquet acreditam estar. Não podem agir como se cada processo fosse uma disputa entre mocinhos e bandidos, tentando muitas vezes minimizar o fato de que o advogado cumpre um papel essencial e fundamental, que é o sagrado direito de defesa.
Quando promotores e procuradores de Justiça e da República acreditam que agindo assim estão ajudando a sociedade, algo vai mal.
O problema é que qualquer iniciativa legislativa para fixar regras para o MP, hoje, é recebida pela sociedade como uma tentativa de restringir o poder desse órgão. Não se aceita, atualmente, sequer o debate sobre o que pode e o que não pode o MP. É certo que pode muito, mas não pode tudo. Se, de fato, o Ministério Público defende uma sociedade mais justa, livre da corrupção e de privilégios, não pode advogar em favor de privilégios só para si, como se fosse uma casta superior, livre de falhas.
A criminalização da política tampouco interessa à sociedade. E ao impedir debates como a da fixação de regras de investigação – ou mesmo normas que punam o abuso de poder – o MP faz mal ao país. Não se trata de defender a limitação da atuação do Ministério Público. Mas, sim, de defender normas claras para os procedimentos de investigação penal.
Afinal, instituições fortes e independentes não podem significar sinônimos de entidades imunes a críticas e desapegadas de regras. Isso não é bom para o MP, tampouco para o país. Na República desenhada pela retórica do Ministério Público, ele deveria ser o primeiro a defender a discussão dessas regras. Casa de ferreiro, espeto de pau.
*Ibaneis Rocha é secretário-geral adjunto do Conselho Federal da OAB