*Ney Carvalho
Este ano está repleto de feriadões e sempre permeados por pontos facultativos, uma instituição esdrúxula cuja existência é desconhecida em qualquer outro país. É atribuída a Mário Henrique Simonsen a tirada sutil de que o que só existe no Brasil e não é jabuticaba é besteira.
Assim foi com o ponto facultativo e mais ainda com sua origem a doutrina positivista, outra excrescência que criou sólidas raízes em nossa terra. Basta dizer que o positivismo esteve por trás da proclamação da República, dos tempos de Getúlio Vargas e dos governos militares. Todos esses movimentos vinculados às ideias autoritárias de Augusto Comte (1798 –1857), pensador francês criador do positivismo e notório desequilibrado mental.
Ludwig Von Mises em seu tratado Ação Humana dizia que Comte se considerava o supremo legislador universal, mas podia ser desculpado, já que era louco, no sentido mesmo com que a patologia emprega esse vocábulo. Mas como desculpar seus seguidores? E eles foram muitos no Brasil.
Quem revelou as origens do ponto facultativo foi Jorge Americano em sua obra São Paulo Naquele Tempo. Sob forte influência positivista a República, de 1889, havia cindido a ligação entre Igreja e Estado. Por essa razão as repartições públicas e escolas não preservavam os dias santificados, desrespeitando o mandamento da Igreja Católica, que determina guardar domingos e dias santos. Os funcionários públicos sofriam descontos nos vencimentos se faltassem na sexta-feira da Paixão e no dia de Natal, e os professores eram avisados de que o não comparecimento constituiria falta grave, por impedir de terem aula os alunos que aparecessem. Compareciam alguns, mas muito poucos. No governo Rodrigues Alves (1902 – 1906) entrou em ação o espírito conciliador brasileiro para solucionar a controvérsia. Nascia o ponto facultativo. Mas era facultativo só para os porteiros das repartições. Se eles não fossem, os funcionários públicos eram impedidos de assinar o ponto, porque a repartição estaria fechada. Assim a ausência ao trabalho foi estendida a todos. Jamais qualquer porteiro compareceu às repartições, naquelas datas e nenhum funcionário reclamou, administrativa ou judicialmente. O único protesto foi da Igreja Positivista do Brasil. Foi assim que nasceu essa risível extravagância, tipicamente brasileira, que até hoje conturba a rotina do país, reduzindo-lhe a produtividade da economia e, portanto, prejudicando a vida de todos. Houaiss define esdrúxulo como “fora dos padrões comuns e que causa espanto ou riso; esquisito, extravagante, excêntrico”. Assim foi o Positivismo: esdrúxulo, mas ao mesmo tempo intolerante, tirânico, antinatural e antidemocrático. E só vingou no Brasil, dominando-o por quase todos os anos 1900. Legou-nos ainda seu modo de pensar autoritário, difuso, muito sutil e pouco visível, que permeia toda a ação do poder público no país.
*Ney Carvalho é escritor e historiador.