*Miguel Lucena
Os ataques dos populares a lojas de Vitória, capital do Espírito Santo, aproveitando-se da ausência total de policiamento ostensivo em face da greve ilegal da Polícia Militar, evidenciam que o bom selvagem nunca existiu, as teses de Bakunin (autogestão) não passaram de utopia e os freios morais, éticos e coercitivos são indispensáveis, sob pena de o mal de alastrar indefinidamente.
A discussão sobre se o ser humano é essencialmente mau ou bom perpassa os séculos e não se chega a uma solução definitiva. Todavia, percebe-se que o indivíduo pende para um lado ou outro por diversas razões, entre elas distúrbios psíquicos, influência do meio e livre arbítrio.
Victor Hugo, na obra Os Miseráveis, referindo-se à Batalha de Waterloo, Bélgica, ocorrida em 1814, em que o Exército de Napoleão Bonaparte foi derrotado pelas forças da Inglaterra e Prússia, menciona a existência de pessoas semelhantes a aves de rapina que se posicionavam atrás das tropas e iam saqueando os cadáveres, arrancando-lhes dente de ouro, cordões, alianças, relógios, dinheiro, roupas, botas e o que houvesse de valor.
Não é raro presenciar turbas alucinadas avançarem sobre caminhões de cargas acidentados nas estradas para saquear os gêneros alimentícios espalhados, mostrando-se indiferentes aos corpos agonizantes de motoristas e passageiros.
Surgirão vozes justificando a ação dos saqueadores como ato de desespero e necessidade, mas é sabido que ninguém se alimenta de eletroeletrônicos, produtos que ficaram na mira dos assaltantes em uma loja da Ricardo Eletro.
Aceitam-se bem a detecção de distúrbio psíquico e a indicação da influência do meio, mas não são poucos os que criam mil argumentos para desculpar o livre arbítrio e até negá-lo peremptoriamente.
O marido atinge a cabeça da mulher com um pau e justifica que foi ele quem perdeu a cabeça; o rapaz engravida a moça e diz que não sabe onde estava com a cabeça (quem sabe?); outro abusa das drogas e do álcool, atropela e mata no trânsito ou mesmo na bala e diz que não sabe como isso foi acontecer.
E assim os desembestados vão enviando legítimos representantes para os centros do poder e mandando no resto da sociedade, a parte que ainda insiste em trabalhar direito e cuidar da família.
*Miguel Lucena é delegado da PCDF e jornalista