Os tijolos foram utilizados para tapar buracos ao longo da Estrada Barão de Tinguá
Foto: Ivan Teixeira/Jornal de hoje
Um dia após o ato de vandalismo ocorrido na Fazenda São Bernardino, em Nova Iguaçu, quando o casarão teve uma de suas paredes demolidas na manhã de quinta-feira (7), o misterioso paradeiro dos tijolos pertencentes a um dos principais monumentos históricos da Baixada Fluminense, situado na Estrada Federal de Tinguá, foi finalmente desvendado. O material foi localizado na Estrada Barão de Tinguá, local de operação de registros d’água da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae).
O vandalismo foi cometido justamente por homens que usaram um caminhão com a logomarca da Cedae para transportar o material demolido com o auxílio de uma pá mecânica. Nas redes sociais, internautas compartilharam imagens que mostram o momento em que o veículo deixava a Fazenda São Bernardino. O registro foi feito por Geraldo Baptista, de 49 anos, que há 20 mora a poucos metros do casarão histórico. Foi ele quem impediu a continuação da demolição.
“Desconfiei do barulho e fui ver o que estava acontecendo. Quando me deparei com aquela situação, não pensei duas vezes e os chamei a atenção dizendo-lhes que estavam cometendo um crime e que poderiam ser presos por aquilo. Eles perceberam que poderiam ter problemas e começaram a se retirar do terreno. Foi quando aproveitei para fotografá-los”, conta Geraldo.
Os responsáveis pela destruição não foram identificados. Segundo a Prefeitura de Nova Iguaçu, a pá mecânica e o caminhão da Cedae estariam a serviço da regional de Belford Roxo.
O secretário de Cultura de Nova Iguaçu, Wagner D’Almeida, disse que vai pedir à Cedae a reparação dos danos causados às ruínas da Fazenda São Bernardino. Ele passou a tarde de sexta-feira (8) alinhavando com o Procurador-Geral do Município, Tiago Barbosa, as medidas que serão tomadas na Justiça, na segunda-feira.
“O que a gente sabe até agora é que arrancaram tijolos de uma das paredes para usar como entulho e tapar um buraco. O absurdo dessa explicação chega a ser pior do que a própria ação criminosa. Já temos fotos e testemunhas do crime, que serão arroladas”, afirmou D’Almeida.
Casarão terá vigilância 24 horas
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Acompanhado do gestor de Centro de Memória de Nova Iguaçu, professor Allofs Daniel Batista, o secretário Wagner D’Almeida esteve nas ruínas da Fazenda São Bernardino para fazer uma avaliação dos estragos. Ele informou que a prefeitura iniciará uma série de ações com apoio das secretarias de Obras e Serviços Públicos e do Meio Ambiente que visam a preservação do local. Já na segunda-feira, uma força-tarefa da Empresa de Limpeza Urbana (Emlurb) irá fazer uma faxina na fazenda, que irá receber cercamento, iluminação e vigilância 24 horas por dia.
“Guardadas as devidas proporções, a Fazenda São Bernardino poderia ser o Coliseu da Baixada Fluminense. Ela é um bem do Estado e do País. Só que a prefeitura não pode fazer tudo sozinha, porque o orçamento municipal é um cobertor curto. A cidade precisa do envolvimento dos governos federal e estadual, dos historiadores e da própria sociedade civil organizada”, defendeu o secretário, que já estuda com o Iphan e o Instituto Estadual do Patrimônio Cultural – Inepac, a criação do sítio arqueológico da cidade de Nova Iguaçu.
Os vereadores Marcelinho das Crianças e Cacau também foram ver de perto os estragos causados pelos vândalos. Eles garantiram que irão cobrar das autoridades que as ações de conservação sejam mais firmes para combater tais atos e estudam a criação de um fórum permanente de conservação dos patrimônios históricos da região, que englobam a Estrada Real, a Fazenda São Bernardino, o Porto comercial e de passageiros, cemitério dos escravos, a delegacia, entre outros ainda existentes. Os parlamentares informaram que vão instaurar uma Comissão Parlamentar de Investigação (CPI) para apurar a responsabilidade da Cedae no caso.
Ruínas já foram cenário de novelas da Globo
Apesar de o casarão ser um lugar histórico por ser um resquício do período colonial brasileiro, a conservação do local não é prioridade para nenhuma das esferas públicas. “Este local deveria ser mantido nos padrões de quando tem a famosa Festa do Aipim, ocasião em que o lugar está sempre apresentável para as milhares de pessoas que passam por aqui”, disse Geraldo Baptista. “A verdade é que quem conserva o local são os próprios moradores da região, através da Associação Circuito Turístico de Tinguá, que constantemente entram em contato com a Emlurb para solicitar a limpeza”, concluiu.
Geraldo disse que a Emlurb envia equipes bimestralmente para fazer o corte dos matos, mas como é uma região tropical com chuvas constantes, o matagal cresce muito rápido. “Deveriam aproveitar a situação para intensificar as ações de manutenção, com atuações mensais”, finalizou.
No ano passado o local foi utilizado pela Rede Globo para a gravação da segunda fase da novela Além do Tempo. Na ocasião, a emissora se comprometeu a investir na preservação e retirada das pichações do casarão. Recentemente, outra trama da emissora, Saramandaia também teve a fazenda histórica como cenário.
A história do casarão
A Fazenda São Bernardino foi construída em estilo neoclássico em 1875 e tombada em 1951 pelo Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. De acordo com o historiador Allops Daniel Batista, gestor do Centro de Memória do município de Nova Iguaçu, o que causou a atual situação foi o incêndio em 1983, um ano após o início do processo de desapropriação.
“O Centro de Memória de Nova Iguaçu trabalha em pesquisas, preservação e difusão dos conhecimentos da história de Nova Iguaçu, mas ainda o município é limitado hierarquicamente com as esferas Federais, Estaduais, o que faz ações com Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e INEPAC (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural) seguirem por muitos anos. O que atrasa tudo é que os diálogos entre as esferas seguem em velocidades diferentes e acabam se desencontrando ao longo do tempo”, contou Allops.
Em 2012, o historiador da cúria de Nova Iguaçu, Antonio Lacerda, concedeu uma entrevista ao Jornal Extra, informando que a fazenda foi desapropriada de forma irresponsável em 1976, pelo então prefeito João Batista Lubanco. Na época, a Prefeitura de Nova Iguaçu informou que a Justiça devolveu a fazenda aos antigos donos.
Um suposto processo judicial de desapropriação se arrasta há anos impedindo que providências sejam tomadas para a preservação. Este é o motivo apontado pela população para o abandono da causa.
por Erick Bello – erick.bello@jornalhoje.inf.br
Raphael Bittencourt – raphael.bittencourt@jornalhoje.inf.br