
(EFE/Yoan Valat)
As lesões são imponderáveis. Neymar, por exemplo, poderia ter se machucado subindo as escadas de sua casa ou descendo até o chão no Carnaval de Salvador. Este texto não terá a audácia de colocar em sua conta a segunda fratura no pé sofrida em um ano no Paris Saint-Germain – e tampouco julgar a avaliação médica sobre sua recuperação. A mais recente eliminação do PSG na Liga dos Campeões revela a necessidade de uma autocrítica ao brasileiro, refém de suas próprias escolhas enquanto o projeto na França continua mais fantasia que realidade.
Escrevo isso com total consciência dos fatos. No PSG, Neymar leva meia hora a menos para fazer um gol ou dar uma assistência em relação aos tempos de Barcelona. É um dado bastante relevante levando em consideração que um jogo tem a duração de 90 minutos.
Os números de Neymar na Europa
Camisa 10 da Seleção participa diretamente de mais gols na França
Barcelona:
* 186 jogos
* 105 gols
* 59 assistências
* Gol ou assistência a cada 94 minutos
PSG:
* 53 jogos
* 48 gols
* 25 assistências
* Gol ou assistência a cada 63 minutos
O nível de atuações é altíssimo, talvez até melhor do que na Espanha, mas quem teria a ousadia de dizer que as chances de ser o melhor do mundo são maiores na França?
Nunca na história o vencedor jogava na França – em 1991, no primeiro ano da premiação, Jean-Pierre Papin, do Olympique de Marselha, foi o segundo. Depois disso, nada relevante. O futebol espanhol (Barcelona e Real Madrid) teve ganhadores em 19 edições, o italiano (Milan, Juventus e Inter de Milão) em oito, e o inglês (Manchester United) em uma.
Não é coincidência – Nos anos 90, a Série A concentrava os maiores craques, algo que passou à La Liga nas décadas seguintes, seguida de perto pela Premier League, com grandes nomes divididos por mais equipes. A Ligue 1, atualmente, se resume a exportar promessas. Ou ao PSG.
A falta de competitividade local é prejudicial ao ponto de contestarem até mesmo a qualidade de Neymar em virtude do nível dos adversários. Na Europa, o Campeonato Francês ganhou o apelido pejorativo de “liga de fazendeiros”, como se alguns times não fossem totalmente profissionais – e alguns jogadores trabalhassem em fazendas durante o dia. Um tremendo exagero, claro.
O problema não é exatamente a fragilidade dos clubes, mas sim o fato de alguém estar anos-luz à frente da concorrência. Seria igual se o PSG disputasse o Brasileiro, inclusive. Tampouco ajuda o fato de nenhuma TV brasileira transmitir a Ligue 1.
Em janeiro, o “Football Money League”, estudo da consultoria “Deloitte”, pôs o clube do empresário Nasser Al-Khelaifi como o sexto mais rico do mundo, à frente de pesos pesados como Liverpool, Chelsea e Juventus.
O próximo francês da lista é o Lyon (28º!), com menos de um terço do faturamento do PSG – o Olympique de Marselha (23º em 2013/14) foi outro a figurar no top-30 nos últimos anos… E só. Para se ter uma ideia, a Inglaterra teve 13 representantes entre os 30 em 2017/18.
A diferença, claro, é nítida dentro de campo. Desde a temporada 2013/14, o PSG conquistou 19 de 22 títulos nacionais possíveis – já descontando a atual Copa da Liga, onde Neymar e companhia foram eliminados nas quartas de final pelo Guingamp.
A Copa da França está na semifinal (o PSG enfrentará o Nantes), enquanto a Ligue 1 virá seguramente com algumas rodadas de antecedência (a vantagem para o vice Lille é de 17 pontos com um jogo a menos). Ou seja: é bem provável que a conta chegue a 21 troféus de 24 possíveis (87% de aproveitamento!) ao fim da temporada. Não há entretenimento assim.
As conquistas nacionais passam a ser minimizadas para Neymar quando elas também poderiam ser atingidas sem ele. Sem muito esforço, aliás, como já aconteceu na Era Ibrahimovic, tetracampeão francês consecutivo. O principal título só não veio em 2016/17, quando o Monaco de Leonardo Jardim, Mbappé, Falcao, Bernardo Silva, Mendy e outros surpreendeu.
Tudo isso deixa praticamente todo o peso na Liga dos Campeões, como alertado neste artigo de julho de 2017, semanas antes de a transferência ter sido consumada.
O problema é que a Champions representaria, na melhor das hipóteses, 20% da temporada do PSG.
Pegando 2017/18 como exemplo, seriam 13 de 62 jogos caso o PSG chegasse à final em Kiev no lugar do Real Madrid. Trata-se de um recorte irrisório para quem joga entre agosto e maio.
Pois o destino aprontou e, mais uma vez, o Paris teve as “férias antecipadas” para março. Neymar voltará a jogar em algumas semanas, mas não terá muitos desafios além de se recondicionar para a Copa América. E o PSG sabe que pode ganhar o que resta praticamente no modo automático.
Dito isso, não é difícil concluir que a Champions é a única oportunidade para Neymar ser eleito o melhor do mundo – ou quiçá ao menos de estar entre os melhores.
Em 2018, pela primeira vez desde que chegou à Europa, o craque sequer integrou o top-10 nas eleições do Fifa The Best e Bola de Ouro.
E agora ainda há um jovem chamado Mbappé em ascensão para dividir o protagonismo – o objetivo não era justamente deixar a sombra de Messi para um voo solo?
A lesão em fevereiro do ano passado o afastou da volta das oitavas da Champions contra o Real Madrid e do restante da temporada pelo PSG – embora a Copa do Mundo tenha pesado na votação.
A história se repetiu com as 10 semanas de ausência em 2019, e Neymar não teve a chance de poder reescrevê-la. Porque, considerando o imponderável e o previsível, fez as escolhas erradas – esportivas, não necessariamente financeiras.